RECOMENDAÇÕES PARA O FESTIVAL "É TUDO VERDADE" - por Rudá Lemos



Já está acontecendo o grande festival de cinema documentário, "É Tudo Verdade", que em comemoração a sua 20ª edição está com uma programação bastante especial, para além da tradicional sessão de competição de longas e curtas, nacionais e estrangeiros. Estão sendo exibidos grandes clássicos do gênero, alguns bastante raros e difíceis de encontrar.

Após um ano da morte trágica do Eduardo Coutinho, o Festival exibe seu último filme, finalizado por João Moreira Salles, e aponta possíveis caminhos para documentar um real sempre nebuloso e incerto. Trazemos aqui, portanto, sugestões de filmes dentro da sua robusta programação que vai até o domingo, dia 19.

“Últimos Dias”, de Eduardo Coutinho - O último suspiro do divinal.

“Eu Sou Carlos Imperial”, de Renato Terra e Ricardo Calil - Tipo de documentário cuja recomendação vem mais por conta do seu genial objeto e já é suficiente.

“Orestes” de Rodrigo Siqueira - Do diretor do etnográfico “Terra Deu, Terra Come”.

“A Paixão de JL”, de Carlos Nader - Nader é uma narrador incrível, grande herdeiro da escola do Coutinho. Tem nas costas a viagem do “Pan-cinema Permanente” sobre o Wally Salomão e é o último vencedor do Festival por “Homem Comum”, em 2014.

“Sete Visitas”, de Douglas Duarte - do diretor de “Personal Che” (coletânea interessante de visões diferentes sobre o guerrilheiro cubano, que fez sucesso numa edição do Festival do Rio).

“Um Filme de Cinema”, de Walter Carvalho - O grande mestre da fotografia em uma nova experiência documental após doc do Raul Seixas.

“Chamas de Nitrato”, de Mirko Stopar - Em busca do entendimento do motivo da atriz de “Paixão de Joanna D’Arc” de Carl Th. Dreyer nunca mais ter feito cinema. 

“A Hora do Chá”, de Maite Alberdi - Velhinhas que bebem chá. Prêmio de melhor documentário em Cartagena e Guadalajara. 

“A França é a Nossa Pátria”, de Rithy Pahn - Novo do monumental cronista do Camboja. Imperdível.

“O Outro Homem: F.W. de Klerk e o Fim do Apartheid”, de Nicolas Rossier - Relato da mudança de algoz para vice-presidente de Nelson Mandela

“O Que Houve, Stra. Simone?”, de Liz Garbus - Nina Simone. Apenas. 

“Seus Pais Voltarão” - Um retrato da ditadura do Uruguai.

“A Visita”, de Michael Madsen - Falso documentário sobre ETs. 

“Cidade Vazia”, de Cristiano Burlan - Novo curta-metragem sobre a solidão em São Paulo, do diretor do forte “Mataram Meu Irmão”. 

“De Profundis” - Curta pernambucano recomendado na última edição da Mostra de Filme Livre. 

“O Claustro” - Novo curta do elogiado cineasta independente americano Jay Rosenblatt.

“Dia da Vitória” - Curta sobre a vergonhosa lei sancionada por Vladmir Putin que pune o convívio de casais homossexuais com crianças.

Mostra Vladimir Carvalho: “Conterrâneos Velhos de Guerra”, “O País de São Saruê” e sessão de curtas. Filmes que constroem um pensamento sobre a formação aristocrática do Brasil. 

“Entrada para a Paz Celestial” - Prestigiado e para muitos definitivo doc sobre o incidente na Praça Celestial da China, que culminou no genocídio da juventude manifestante. 

“Fengming - Memórias de Uma Chinesa”, de Wang Bing - O relato do que sofreu uma jornalista durante a ditadura chinesa.

“Cidadão Boilesen” - Vencedor do Festival em 2009. Uma bomba sobre as relações incestuosas do patronato brasileiro e a ditadura 64-80.

“Santo Forte”, de Eduardo Coutinho.

“O Sicário - Quarto 164”, de Gianfranco Rosi - Elogiado cineasta que recentemente entrou na história por seu filme "Sacro Gra" ter sido o primeiro documentário vencedor do prêmio principal de Veneza.

“O Sem-Visão” - Acompanhamento de jovens cegos da República Tcheca. 

“Primo de Segundo Grau” - Sobre a poesia e a perda de memória de Edwin Honig.

“O Mar que Pensa” - Inventivo docudrama com muita metalinguagem e intertextualidade.

“Cinco Obstruções” - Para se ter ainda mais motivos para amar ou/e odiar Lars Von Trier.

“O Prisioneiro da Grade de Ferro” - Doc definitivo sobre o irrecuperável sistema carcerário brasileiro.

“A Alma do Osso” - Um eremita na visão austera do grande vídeo-artista Cao Guimarães.

“Santiago”, de João Moreira Salles - Se ainda não viu, seja o próximo a amar esse filme-do-filme.

“Por que Lutamos”, de Eugene Jarecki - Denúncia dos motivos econômicos para os EUA investir tanto em guerras sem fim.

“Cinco Câmeras Quebradas” - A filmagem como ativismo contra o imperialismo israelense. 

“Jasmine” - Vencedor internacional da última edição do Festival, mistura animação e relato documental.

“Tintin e Eu”, de Anders Østergaard - Uma conversa com o inventivo criador de Tintin. Do diretor de Burma VJ.

“Verdades e Mentiras”, de Orson Welles - Grande passeio do mestre no campo do documentário.

“Cidadãoquatro” - Sobre Edward Snowden e a perigosa vigilância americana. Vencedor do Oscar 2015 de melhor documentário. 

“Moana Sonoro”, de Robert J. Flaherty, Frances Hubbard Flaherty e Monica Flaherty - Trabalho que começou com um dos inventores do modelo clássico documental, passa pela filha e pela neta. O tempo-filme que é um só.

“A Nação que Não Esperou por Deus”, de Lucia Murat - Estreia mundial do passeio de Murat no gênero documental.

“A Noite Chegará”, de André Singer - O terror que ficou do holocausto após final da II Guerra. Do produtor de O Ato de Matar.

“1989”, de Anders Østergaard - Acompanhamento da trajetória de um político húngaro. 

“Drone” - Tecnologia a serviço do sangue, made in USA. 

“Invasão” - A abertura do canal do Panamá pelo olhar dos panamenses. 

Rudá Lemos

SAUDADES DO FESTIVAL DO RIO (2014)... - por Carmem Cortez



É uma espera de um ano. Nas três semanas que antecedem, os amigos cinéfilos começam a se mobilizar, discutindo logísticas, esperando os premiados que ainda não chegaram, a liberação dos ingressos via internet, o pdf da revista com a programação... Uns nervosos, outros disfarçando a ansiedade, mas todos reunidos num grupo na mesma rede social, ávidos pelo evento que nos tira o sono, que nos faz pedir férias no trabalho, ou inventar desculpas para escapadas do serviço. Festival do Rio é como um amigo querido que viajou e a gente fica esperando a hora dele chegar.

Pra mim é um momento mágico de reencontro com pessoas queridas sem prévia combinação para assistirmos, juntos ou não, a filmes inéditos e maravilhosos. Pense no que é assistir a um filme com duas fileiras do cinema repletas só de amigos!? Não existe outro evento que permita tal cenário. Não importam os eventuais furos que a organização porventura possa cometer, todo ano estamos todos lá. Reunimo-nos tanto física quanto virtualmente. No contato virtual, costumamos brincar de comentar e dar notas aos filmes vistos. Transcrevo, pois, abaixo a minha traquinagem no último festival.  

Ai MEODEOS se preparem:

1) O SAL DA TERRA: Nunca ficou tão emocionante ouvir as fotografias do Sebastião Salgado [9,5] 

2) BIRD PEOPLE: Queria muito ter gostado desse, mas ... eu (acho) me perdi, ou o pardal se perdeu naquela história...well, sorry PEOPLE who liked, but, it was a bulshit [2,0] 

3) MAPS TO THE STARS: "Surely, 'u' must be wrong" "Don't call me surely". Cronemberg faz até piada da piada mais famosa do cinema. Ótimos momentos; parece que ele estava se divertindo...e eu tbm [8,0] 

4) VIOLET: Achei que fosse demorar pra engrenar meu festival, mas esse holandês foi lindo! Além de tudo coube direitinho nos seus 82'; não sobra e nem falta. O mais legal aqui é que seu olho parece ter de se acostumar a quase cada frame, e no início do filme isso não é muito fácil. Só se entende o primeiro quadro, aliás quase no final da história. Uns planos aqui e ali que me lembrou um pouco de algumas coisas q já vi do cinema do leste europeu, um estilo, uma estética...tem que acostumar a retina para formar 'gestalt' (sabe aquela coisa de figura/fundo? Ora vê figura, ora fundo!!!).[9,8]

5) BLIND: Intrigante, instigante. Bem montado esse vai e vem da imaginação fértil da escritora [8,0] 

6) BURYING THE EX: Um tapa buraco (confusões de organização de Festival), fui sem expectativas. Não vejo esse tipo de filme, não gosto deste gênero (zumbie movie), mas sabia do que se tratava. Mesmo com todo frenesi em torno do diretor e que tais, ainda assim não o escolheria. Fui pela farra de estar com amigos cinéfilos, e nessa ‘vibe’ me deixei levar. E me diverti. [9,0] obs: veja bem, a nota é por achar que ele cumpriu o que se propôs.

7) DENTE POR DENTE: Kim Ki Duk é amar ou deixar. Eu amo. Encontrei alguém que me perguntou: 'Vc vê K.K.D?" como se dissesse: Que coragem!!!! Eu vejo! Sim, eu tenho coragem! E sim, eu gosto. E com a ajuda de um jornalista que já o entrevistou e viu o filme comigo e mais dois amigos, clareou uma noite inteira. Pelo o que vi e escutei no final [9,0] 

8) LA PAURA: é um clássico, né, gente!? Não vou dar nota, não! 

9) CASTANHA: É lindo, mas eu cortaria alguns minutos. Mas deu pra entender por que esse longa é longo. Davi Preto quis oferecer uma figura regional demais - quem conhece esse cara de POA e que poderia ser mais um artista da noite?! Davi então cerca Castanha por todos os lados: religião, família e seus conflitos, Castanha no trabalho, sua saúde, o pai, figura ausente e a angustia e ressentimento decorrentes disso. Devidamente apresentados, e não resta dúvidas de que Castanha é nosso brother (quase dei um tapinha nas costas no final da projeção). A isso tudo se apoia uma bela fotografia, um filme de gente grande, e ele só tem 20 e poucos aninhos e estreando em seu primeiro longa. Falei aos que do meu lado estavam: "não por acaso foi para Berlim" [9,0]

10) TIMBUKTU: meodeos! quem não viu, não o perca (circuito exibidor o mais breve). Fotografia, direção primorosos! Esse diretor sabe explorar essa coisa sentimentalista positivamente. O Chocante se mistura ao poético (o da cantora sendo punida a chibatadas). Destaque para o plano dos dois homens, um em cada canto do quadro... Lembrei na hora de O Sacrifício de Tarkovsky, na cena da menina nua que se olha no espelho - o real e o reflexo. No do filme em questão, o homem que sobrevive e o que está agonizando como um peixe fora d'água, os dois equidistantes dentro do quadro! É um excelente manipulador, com todo bom sentido que essa palavra possa ter! [9,9]

11) GUEROS: Tem umas sacações espertas de câmera, de áudio, câmera girando de cabeça pra baixo, mostrando a sombra do menino correndo. A música diegética no início do filme... Outra vez a câmera saindo correndo atrás dos meninos como se fosse um deles filmando 'nossas peraltices'.... Mas aí tem um momento meta linguagem... Sei lá, senti meio forçação de barra, meio querendo ser 'cool'... Fiquei com a sensação de que foi colocando um pouco disso, um pouco daquilo, pra ficar descoladinho, hypster, virou pra mim um monte de coisas 'cool' dentro do mesmo balaio. E tem aquela coisa de ser filme em preto e branco... Modinha?! Mas, ops, palmas para uma grande sacada, que é o momento do bêbado 'alugando' o garoto. Quem nunca, na volta da 'night', já não teve um ‘pela-saco’ desses e sua história interminável?! E me pareceu que foi 'A' cena. Não estava no script, e o diretor aproveitou. Se isso de fato rolou, grande acerto. [6,0]

12) WIPLASH: Quer saber, esse filme te pega. E ele te pega mesmo. Uma professora da PUC de Cinema, uma vez falou: Quando o filme te pega, não tem jeito. Pode ser uma bobagem, mas se ele te pega..." E ela tem razão. É 'hollywoodianesco’, mas veja bem, isso não é um demérito. Momentos de marejar, como o dos bastidores, a afinação dos instrumentos... E vamos combinar que jazz em dolby surround ... Fala a verdade, pega ou não te pega?! Claro que pega. Pega e rodopia com você escada abaixo até o saguão do Estação Net Rio [9,3]

13) CORAÇÕES FAMINTOS: uma câmera GO-PRO (?!!?) mostrando uma mãe 'maluca' - as mães são todas malucas. Mãe da gente é tudo maluca. Se agarra ao filho com medo que ele sofra, cresça, assuma reponsabilidades de seus erros (que também é uma forma crescida de se estar na vida)... e mata pra proteger! Mas aqui isso tudo não me ganhou. Foi uma 'viagem' ok! Um filme ok, e o grande mérito dele, deve-se a atriz ganhadora do Copa Volpi, justíssimo, diga-se de passagem! [6,1]

14) MOMMY: Falem o que quiserem, riam, falem mal, mas quando acabou eu fiquei mexida. Custei a levantar da cadeira. Pegada pop, com o Oasis, o rodopio com o carrinho de compras, e a expansão da tela (licença poética-visual?!!) ‘Gentem’, me chamem de cafona por isso mas curti tudo nesse Dolan, inclusive os exageros do garoto e da professora com sua gagueira, suas dores traumáticas - fazer o que? Eu sou ridícula na medida dos versos do poeta, sou emocionalmente ridícula às vezes. Mas só às vezes. [9,5]

15) MUNDO DE KANAKO: É amor X ódio. Escolhi o amor (acho que tenho andado sensível) também. Daí que, né?, é cinema japonês - aquele vertente de sangue, violência e cultura pop japonesa. [8,3]

16) AMNÉSIA VERMELHA: Estava ansiosa por esse aqui e não me decepcionei - falar sobre revolução cultural ainda é uma questão delicada na China comunista, ainda que nos dias de hoje. Haja vista Ai Wei Wei que passou horrores. Convenceu-me esse expediente de narrar como um conto, um romance, para falar de como a Revolução Cultural, a China de Mao, deixou hoje os seus idosos acostumados a viver para o outro (Estado), e se esquecem de si! Servir a pátria outrora, servir e ficar em função dos outros/filhos. O surgimento do garoto, um elemento fora desse universo estritamente político, sugere ao meu ver uma camada de um perigosamente carmim mais tênue, mas não menos urgente de quem precisa fechar feridas abertas pela traição, de quem precisa encontrar seu lugar ainda que em um asilo! [9,8]

17) ALOFT: Tive meu momento ausente (só lia a legenda). Pedi a quem assistiu comigo para me contar a história TODA do filme. Não, não dormi. Fiquei acordadíssima, e então, com o que ouvi e vi, casou super bem. Ou seja, um filme que você não consegue manter nenhuma atenção nos diálogos, alguém te conta a história, e não fica aquela sensação de "puxa, deveria ter me ligado na tela"... Não pode ser considerado bom. Assim eu o avaliei. [4,0] quatro para a Jennifer Conely. E olhe lá! "ALOT OF" nothing.

18) MR TURNER: Direção de arte primorosa. O ator? Show! Vale um [9,0], gente! Nem senti os 149'

19) A VOZ DE SOKUROV: É sempre bom ouvir o que um cineasta tem pra dizer mesmo que seja num formato esquemático...e chaaaatooo! Demorasse mais 10', e eu teria perdido o 'grand finale'. Fechei o olho, acho, na última frase dita pelo próprio. Foi a pálpebra descer, e a luz acender! [5,0] Pena!

20) PARTY GIRL: Sabe o que tem de sensacional nesse filme, o fato de todos aqueles não atores, que é a família dele, estarem ali tão bem. E o cara fala da mãe. A família do cara toda exposta ali, tão suavemente exposta... Um bom filme só por causa de uma boa ideia de reunião de família. Poderia ter feito isso em casa num jantar de Natal... Não, não foi uma má ideia: trocou um jantar de família entre eles, por uma tela de cinema! [7,0]

21) REVOLUÇÃO AO CONTRÁRIO: Um documentário envolvente, abordando assunto tão delicado: política e seus questionamentos! Através do trabalho de um antropólogo, a diretora pega carona nos protestos do 'Occupy Wall Street' e com as imagens dos ‘figuras’ que lá estavam. Bem montado. Ela é bem habilidosa, a Chiara - conseguiu cercar um assunto tão abrangente! Ela foi de uma coesão incrível, essa diretora! E ela vai lá longe, sai do assunto e volta nele; ela não se perde. Faz um parêntese e continua pontuando a eterna questão da exploração do homem pelo homem dentro de aspectos como dívida e perdão, mercado financeiro.... Ela é massa! Difícil, viu, fazer um doc com essa abrangência toda. [10,0] Como doc merece dez!

22) VIAGEM NOTURNA COM JIM JARMUSH: Não sei se foi opção de quem dirigiu, sugestão do JJ, mas o resultado me agradou. Quase esbarrou num mega Making off,  mas o trabalho dele nos bastidores, e o foco em sua direção, não deixou dúvidas de que nada melhor num documentário sobre um diretor, do que mostra-lo em ação. Foi rodado no set de filmagens de seu "Only Lovers Left Alive", e pra quem não viu esse seu último filme, pode ter ficado entediado (vi varias pessoas saindo no meio). Sim, foi lindo ver Tilda Swinton ensaiando, gravando a cena na real, discutindo cenas com Jim, ele dizendo a ela que quando pedisse as passagens para Tanger deveria falar mais devagar porque... (SPOILER NO!). Uma proposta diferente e que foge - graças a Deus - daquele formato quadradão: cineasta fala / alguém fala sobre ele / imagem de arquivo de alguns filmes dele e blá, blá, blá. Grata surpresa! [9,9]

23) POR CIMA DO SEU CADÁVER: Adorei, não sei explicar direito porque. Eu tenho isso vez por outra. Como cinema pra mim é antes de mais nada uma experiência sensorial, eu fico com a sensação de ...aí acontece de alguém falar sobre o filme, e acaba dando continente as minhas sensações. Traduz o que eu vivi naquele momento. Se ao menos eu tivesse domínio dos termos técnicos...[9,9] _

24) CARVÃO NEGRO: Que belo filme! Que filme belo! Parabéns a todos os envolvidos: colorista, ator, atriz, fotografia... [9,0] 

25) COMING HOME: Nas mãos de hollywood seria aquilo, né, melodrama enjoado, beirando ao fiasco, mas aquele pessoal do velho continente não sabe fazer só tênis, eletroeletrônicos, não, sabe fazer arte. Uma arte elegante. Eu penso que Zhang Yimou faz uma coisa mais palpável, mais fácil de alcançar, universal. Se por acaso os EUA vira a cara para algum conterrâneo seu, com Zhang Yimou duvido; tem um sorrisão na cara de cada 'mother fucking american’. Só esticar a mão que seu cinema tá logo ali, ó, fácil de tocar, apreender. Oi Zhang me add no FB. begosmig! [9,8]

26) O PREÇO DA GLORIA: Divertido. Um roteiro bem original. Se é uma homenagem ou não, pouca me importa. Valeu meu [6,5] do início ao fim.

27) PROCURANDO FELA KUTI: Fela Kuti era 'o' cara! Era massa! Pica! Figura, o Fela! Fellow, oh yeah! Eu já falei algumas vezes e vou repetir - atenção, isso é uma visão muito particular - que 70% de um doc se deve ao que, ou de quem se fala. E eu gostei desse 'guy'. Um showman que inaugura um estilo novo de música, e que apesar de poder, não sai da Nigéria! E fica lá defendendo seu povo usando sua arte como instrumento de guerrilha. Ele apanha dos soldados do governo! As nádegas e as costas com marcas profundas, mas no dia seguinte vai pro palco e compõe de improviso! Isso é que é força! Tem como não amar FELA? Ele casa com 27 mulheres... Ele é um louco! Um louco adorável! Fela Kuti pra presidente! [9,3]

28) VARA - UMA BÊNÇÃO: Desculpem-me aos que se encantaram aqui com isso. Teve boa intenção, eu percebi, mas só boa intenção! Fiquei com a sensação de que não era na história, acho q foi em algum lugar ali... perto de Butão, que esse filme ficou tão longe de mim como um monge tibetano. [3,0] 

29) E AGORA, LEMBRA-ME?: Até quando fala de vírus, fala da vida! As 2 horas e 45min foram bem utilizadas, porém me deu uma leve impressão que quase na reta final, parecia que criador estava preso a sua criação, sem querer deixar a cria, o rebento (filme) ganhar o mundo. Ficou meio que ali se agarrando ao 'filho', como se este fosse seu fio de esperança. Sua ligação concreta as suas memórias, seu elo com a vida, seu 'post it' para não esquecer que, enquanto se está vivo... E agora, lembra-me! [8,3]

30) KUMIKO (((meu queridinho! Beijos, Rinko!))) kkkkk, gente, KUMIKO é ótimo! É dez! Me corrija se estiver errada, ele faz as mesmas brincadeiras que os irmãos Coen! E tem aquela atriz maravilhosa de Babel, Pacific R.I.M (Guilhermo Del Toro) e de outras produções que já vi, mas agora me fogem a memória! A Kumiko é dez!. Ah, a nota é [10,0] obvio!

31) THE HUMBLING: Esse filme faz um acerto quando escolhe All Pacino pra esse papel. O cara é bom, é afiado! E tem uma estrutura meio Woody Allen! Eu me lembrei de "WHATEVER WORKS" naquele Pacino que se relaciona com a mocinha. Destaque para a cena naquele plano onde aparecem os três, Pacino e os pais da jovem atriz, quando ele já está sentindo os efeitos da injeção. Cena esta que, além de fazer rir principalmente pela pantomina sutil, me deu a certeza de haver um Woody Allen pairando no ar! [9,6]

32) MR. LEOS CARRAX: Sr. Leos Carrax, é um título que sugere uma apresentação. O Sr. Fulano de Tal...e segue-se uma descrição. Assim transcorre esse doc; o Sr. Leos se apresenta / é apresentado de um jeito meio inusitado, e na maior parte das vezes, através do discurso do seu ator-fetiche, Denis Levant e mais alguns outros (atriz, assistente de direção, etc). Em muitas das cenas ele surge como uma imagem meio desfocada, meio envolta em fumaça dando a entender ser uma figura fantasmagórica. Essa alegoria remete à importância que os fantasmas tem em seus filmes. O bom desse documentário é o fato dele ser original em sua narrativa - o filme é a personificação deste diretor; uma espécie de espectro dele. E assim o filme brinca de ser: ora é uma locução em off, ora é uma aparição fantasmagórica, ora é uma imagem de arquivo de seus trabalhos ... Vale ressaltar ainda que, definitivamente, quaisquer dúvida sobre do que se tratou Holly Motors, aqui elas se encerram. [8,5]

33) O AMOR É ESTRANHO: Ele pode ser realmente estranho, como na cena do garoto chorando na escada - ali tem culpa, tristeza, os desdobramentos do amor - momento, aliás que considero ponto alto do filme. Fechei aí minha percepção de que o amor neste filme pode ser estranho não por ser entre dois homens, mas por ter tentáculos que tentamos separar do corpo que os sustenta, numa tentativa romântica de tratar o AMOR como algo sublime, com ausência absoluta de dor, de medo, de raiva ... O amor é estranho porque está contido nisso e contem isso tudo, fazendo a gente parecer um polvo cheio de braços, desengonçado, sem saber direito qual desses braços abraçar, e em que tempo, hora e/ou lugar [9,0]

34) JIMMY'S HALL: Acho incrível a maneira como Ken Loach faz a naturalidade transbordar nas cenas onde a classe trabalhadora se diverte! É poesia!! Um advogado em favor da dignidade que a classe operária tem que ter, um arauto das necessidades do povo sem ser panfletário, um desses chatos que povoam nossas timelines. Política é um tema recorrente, mas sinceramente o melhor dele é essa fácil e fluida alegria com que a gente, aquela gente, ri, canta, dança, bebe, segue a vida.[9,0]

35) REMAKE, REMIX, RIP OFF: Minha gargalhada estava garantida e eu não sabia. Escolhi pela curiosidade de saber o que se produzia na Turquia nos anos 70, 80.. Produzia(?!), copiava... Um mesma tema (assunto ou música) rendia vários remakes. Quem poderia imaginar que os turcos eram assim, digamos, tão caras-de-pau?! Achei que a essa altura já estava vendo doc demais #SQN. Fui feliz nesse! [9,8]

36) O PRESIDENTE: Palmas para o final! E no decorrer fiquei me perguntando, 'e agora, qual a solução que o diretor vai dar aqui?' Redondo. Redondinho mesmo! Inclusive o vai-e-vem da morte de Sua Majestade - mata assim, mata assado, mata desse jeito, não, mata daquele outro...não, não mata porque ele vale UM MILHÃO rsrs - Vá, menino, vá dançar, porque as luzes do seu palácio já apagaram! E nada mais lhe resta a fazer, a não ser viver sua infância até onde isso possa ser possível. [9,7]

37) CAVALO DINHEIRO: nunca tinha visto nada de Pedro Costa, mas fiquei boquiaberta com esse seu Ventura e sua historia, e sua narração que o move pra lá e pra cá, entre estar vivo e estar morto! Ele causa uma estranheza incrível. Incrivelmente filmado! [10,0]

38) CONTOS IRANIANOS: Por uma ironia qualquer dessas da vida, seria minha primeira sessão do festival, foi ansiosamente aguardado, perdi-o no Festival, torci pra tê-lo na repescagem, ele entrou, e...FIASCO total! De uma verborragia... Especialmente a cena final! Saíram do nada pra lugar nenhum. Não vi nada que merecesse melhor roteiro - Veneza doravante vai ter um pé meu atrás! É [3,0] só porque tenho uma relação afetiva com a filmografia iraniana!

39) ALGO A ROMPER: Várias camadas , várias leituras possíveis se rompem neste filme. Angustia do desejo, a dor da separação... Enfim, um drama bem construído. [9,3]

40) MUITO ALÉM DAS PATRICINHAS DE BEVERLY HILLS: A juventude quer se ver retratada e essa demanda provoca em profusão as várias e conhecidas produções dos filmes' teen', especialmente os da década de 80. Só entendi isso quase no final. As cartelas ajudam, mas tem de se ligar e forte na narração em off, que no escurinho do cinema, ar condicionado e uma dose de sono atrasado pode comprometer o entendimento. Esses elementos não interferiram, mas talvez se o visse durante o Festival e não na repescagem, teria curtido pouco! A cada cena dos 'clássicos' de várias 'sessões da tarde' de outros verões, lembrava com prazer dos filmes que assisti. E sem culpa de assumir que vi tudo ou quase tudo aquilo ali! [7,0]

41) VIAGEM À ITÁLIA: Mais um Rosselini que acabou fechando o Festival / repescagem. Como o outro, esse também não darei nota por ser um clássico.

42) PEIXES INSÓLITOS: bonitinho, foi evoluindo bem até o momento em que poderia ter terminado a história. Não terminou ali onde deveria, continuou, e foi desastroso com aquela espécie de carta-despedida pra família. Se não fosse isso, poderia ter rendido um oito, mas vai ficar com um [6,6], só pra não quebrar o amor que construí ao longo dos 2/3 e 1/2 do filme.

GENTEM, são mais de trezentos títulos e a gente enlouquece sem saber direito se fez a escolha certa; se deveria ter visto um TSAI MING LIAN ao invés de um KEN LOACH... Não tem grade que dê conta, mas mesmo assim é uma experiência ímpar. O único bálsamo que revigora meu espírito se chama Festival do Rio.


Carmem Cortez

14 ESTAÇÕES DE MARIA ( 2014 / Alemanha / drama / 110’ / Kreuzweg ), de Dietrich Brüggemann – por Cristina Paraguassu.


A Bíblia, que levou milhares de anos sendo escrita e é considerada por bilhões de pessoas como a palavra de Deus, já inspirou grandes obras de arte. Kreuzweg, filme alemão do diretor Dietrich Brüggemann, mostra o martírio de uma adolescente cristã, Maria (Lea Van Acken em excelente atuação), seguidora de uma igreja ultra-conservadora, a Católica fundamentalista, que não aprova o Concílio Vaticano II, ainda reza missa em latim, continua com as mesmas práticas medievais, e termina alçando o demônio que juram combater a protagonista, esquecendo do Amor que Cristo pregava.

Completamente enredada na lavagem cerebral dos fanáticos Maria segue as 14 Estações de Cristo, que são inter-títulos do filme, na mesma via crucis sadomasoquista, mas em pleno século XXI. A perversidade da mãe (Franziska Weisz) é tão bem exibida que há um gozo sádico nas expressões da ótima atriz. O pai é de uma passividade revoltante. Dos três irmãos menores, o mais novo de quatro anos se recusa a falar, e essa "doença" será o catalisador que Maria encontra para sua fuga rumo ao Paraíso.

A empregada Bernadette (Lucie Aron), estrangeira que fala mal o alemão, é admirada por Maria por ser madura, ou seja, normal! E o doce amiguinho da escola, Christian (Moritz Knapp) - que achei que poderia ter um nome mais "satânico", Lucious, ou contestador, Jörg Mario, por exemplo, já que ele canta Gospel e Soul, além do divino Bach, no Coral - é uma tentação de carne e osso e vida prosaica, bom demais para ser permitido na lógica insana deles. A cena dos colegas de escola põe a questão da tolerância en passant. O que é tolerância? Qual o limite da liberdade e da autoridade se houver risco à vida?

É um filme para estômagos fortes, com câmera parada que lembra Kenji Mizogushi (também no sofrimento). Talvez fosse melhor classificado como filme de horror! O esvaimento do corpo anoréxico de Maria é um pálido reflexo do que aconteceu com a mente dela.

Alguém desavisado poderia considerar uma ficção absurda, inexistente. Mas por incrível coincidência há poucos dias houve em Nova Friburgo o encontro de um grupo Católico ultra conservador que se rebela contra o Papa Francisco, nega o holocausto, e educam as crianças da mesma forma vista no filme.

Talvez a passagem do politeísmo, onde os deuses tinham qualidades humanas, para o monoteísmo tenha afastado demais certas mentes perversas das maravilhosas atividades terrenas, entre as quais tomar sorvete, cantar em coral e fazer bons filmes como este!


Cristina Paraguassu

GÊMEOS, DAVID CRONENBERG E O CINEMA DA NÁUSEA – por Marcos Florião



David Cronenberg é canadense de Toronto, tem 72 anos completados recentemente, é casado e pai de 3 filhos. Sem o Cinema, receio que seria mais complicada tal organização em sua vida: independente de se gostar ou não, seus filmes parecem buscar (e sublimar) os abismos mais temíveis desse mundo, na esfera social e também na intimista. E é sem hesitar que ele usa e abusa da náusea tanto na forma quanto numa quase ‘marca registrada’. Para seus adeptos mais fervorosos, motivo de regozijo. Para seus detratores, a constatação de um vício inadequado, de um ‘excesso de assinatura’ (se costuma dizer quando a mão de um realizador pesa em demasia sobre sua obra), como acontece nos banhos de sangue de Tarantino ou nas caricaturas de Fellini. No entanto, como o Cinema exige trabalho em equipe, para o bem ou para o mal, não é sempre que prevalece o desejo do realizador em todas as vertentes da produção. 

Partindo das origens do diretor, após alguns curtas e diversos projetos para TV, como é praxe no Canadá, adentrou desde então no estilo que predominaria por décadas: basta espiar as sinopses de seus primeiros longas para ‘entender o recado’. De minha parte, após “Scanners”/1981, “Videodrome”/1983 e “A Hora da Zona Morta”/1983 (sobre livro de Stephen King), já ficara evidente a linha mestra que logo seguiria com “A Mosca”/1986. Na época, uma vinheta televisiva sobre a reação de espectadores na saída da estreia do filme causava risos e traçava o reconhecimento que o tempo só iria referendar: Cronenberg encontrara seu público. 

Por mera sorte ou por uma feliz soma de talentos, logo viria a obra-prima “Dead Ringers”/1988, aqui “Gêmeos – Mórbida Semelhança”, roteirizado pelo diretor junto a Norman Snider, sobre livro de Bari Wood e Jack Geasland. A partir de um fato real – dois ginecologistas bem sucedidos de Montréal, gêmeos idênticos, foram encontrados mutilados e trucidados em seu apê –, a trama especula (e como!) acerca da linha de acontecimentos que teria levado à tragédia. Entre perversões sexuais, abuso medicamentoso e descaminhos existenciais, acompanhamos um processo de esquizofrenia paranoide – tema imortal em Arte, por suas vastas nuances – que martiriza um dos gêmeos. Um festim de prevaricações e iniciativas ilícitas é pontuado por rasgos de conduta doentia, sobretudo por parte de um dos gêmeos, que de resto conta sempre com o aval do mano...

Não cabe aqui entrar mais no brilhante desenrolar e desfecho, seria um spoiler para quem pretenda assistir. Porém jamais Cronenberg seria tão acurado, harmônico e brilhante em sua carreira, até os dias atuais! Ademais, Jeremy Irons nos brinda de todo ao contracenar consigo mesmo, além de com as maravilhosas Geneviève Bujold e Heidi Von Palleske. Assim como o tom da Fotografia de Peter Suschitsky encontra sempre o equilíbrio perfeito entre a ‘normalidade social’ e a cisão psíquica dos gêmeos em seu desmantelamento pessoal. 

Viriam então o aceitável “Naked Lunch”/1991 (aqui “Mistérios e Paixões”), roteirizado sobre William Borroughs, ensaio maldito resvalando no surreal; o tocante “M. Butterfly”/1993 – outro de meus favoritos! –, uma adaptação em variante sobre a peça que também origina a consagrada ópera, onde um diplomata (outra vez Irons) se envolve “sem saber” com uma gueixa-travesti (John Lone); e uma recorrência a náuseas mais abundantes em “Crash”/1996 (“Estranhos Prazeres”), abordagem em necrofilia, e “existenZ”/1999, digressão em videogames e na indústria de jogos eletroeletrônicos.

Já na virada do século, após uma abordagem boa e quase psiquiátrica (de novo) da esquizofrenia paranoide em “Spider’/2002, defendida por Ralph Fiennes, dois filmes estrelados por Viggo Mortensen dão sequência: “A History of Violence”/2005 (“Marcas da Violência”) e “Eastern Promises”/2007 (“Senhores do Crime”), ambos com animados defensores mas nos quais não vejo o brilho do realizador. 

“A Dangerous Method”/2001 (“Um Método Perigoso”) traz 4 anos depois um Cronenberg ‘domesticado’ pelo excelente roteirista Christopher Hampton. Abordando a criação da psicanálise sem sisudez, Hampton faz gostosas blagues e provocações com os prumos & rumos do método instituído por Sigmund Freud (outra vez Viggo), e sua conturbada relação com Carl Gustav Jung (Michael Fassbender). Sem incidir nos excessos habituais, aqui a náusea cabe em seu devido lugar. Já ouvi de fãs do Cronen: “não parece um filme dele!” (hehehe)

O horrendo e indefensável “Cosmópolis”/2012, a seguir, é um engano único. O naufrágio é tamanho que sequer a Rainha Suprema das atrizes, a inigualável Juliette Binoche, justifica sua presença: nele perde seu tempo e cansa sua beleza no modorrento táxi que atravessa Manhattan. O recente “Maps to the Stars”/2014, no entanto, embora não figure entre meus preferidos dele, tem seu jeitão. Lá está o lado maldito de Hollywood, cambado até a náusea e dividindo opiniões.

E cá estamos. Acho difícil que ele retorne à excelência de “Dead Ringers”, mas nunca se sabe... E como ninguém é gênio de plantão, tenho o realizador em bom conceito. 


Marcos Florião 

O ÚLTIMO ATO ( The Humbling / 2014 / Comédia Dramática / 112’ ) de Barry Levinson - por Cristina Paraguassu



Um grande ator é imprescindível para o papel de outro ator, em crise, principalmente se for numa comédia!

Baseado em livro homônimo de Philip Roth, o filme mostra o ator Simon Axler (Al Pacino, não sei por que não indicado ao Oscar) perdendo o talento e a memória, depois de deixar seu corpo cair do palco e sua saúde mental descer ladeira abaixo. Ao ser internado em uma clínica psiquiátrica, com hilárias cenas de um tratamento que parece não surtir efeito, e fazer amizade com uma mulher pavorosa, ele se enreda cada vez mais no que parece ser o fim da linha.

Mas é ao voltar para casa que a comédia fica mais engraçada e Al Pacino deslumbra com seu talento incrível. Aparece em sua vida a filha de uns amigos antigos, Pegeen (Greta Gerwig), com metade da idade dele. Muitas confusões vão sendo desfiadas com um quê de prosaico, natural na vida dele. A cena do anestésico no veterinário é antológica.

Enquanto ele lida com problemas de trabalho, se aceita ou não fazer um comercial, escrever suas memórias, voltar ao palco, querer ter um filho... Vamos nos dando conta: o que de fato é real e o que se passa na cabeça perturbada dele? O que é atuação do personagem e o que não é?

Uma fugaz semelhança com Birdman, lançado dois meses antes, apenas no roteiro, por ambos terem um ator perturbado como personagem principal, mas muito diferentes na forma, com diretores muito diferentes. Barry Levinson faz uma comédia maravilhosa que pode ser vista de vários pontos de vista, sempre risíveis.

Poucas vezes um livro foi tão bem adaptado ao cinema.  Ainda bem!

Abraços,

Cristina Paraguassu

RECIFE FRIO (2010 / Curta / Brasil / ficção / 24’ ), de Kleber Mendonça Filho, por Rudá Lemos.



Segundo a meteorologia, hoje choveu no Recife. Mas, com previsão de 23 a 32 grau...s, não se pode dizer que foi um dia frio na capital pernambucana.

O que Kleber Mendonça Filho simula, em seu curta metragem "Recife Frio", é um acontecimento climático inexplicável que transforma a capital numa cidade extremamente gelada, com temperaturas em torno de 14 graus.

O céu está sempre nublado, nos camelôs a oferta é sempre de casacos, mendigos que não morrem congelados fazem fogueiras de pneus pelas ruas, as praias ficam desertas. No ápice da crítica social do filme (e há muitas) o adolescente da classe média troca seu quarto com o menor, porém mais quente, da empregada; e o shopping vira o único ambiente de sociabilidade da população.

O formato extremamente verossímil é de uma (falsa) reportagem de um canal de TV estrangeiro, fato que justifica a narrativa didática e aumenta o grau de fascinação por tão adorável (e perversa) farsa. Kleber é pernambucano, o que legitima sua sentença final: mas será que a temperatura pode ser acusada como a maior modificadora da vida social? Será que, apesar de todo o clima tropical, já não éramos  todos  muito  frios?


Rudá Lemos

VENTOS DE AGOSTO ( 2014 / Brasil / drama / 77’ ), de Gabriel Mascaro - por Dario P Regis.



O primeiro longa de ficção de Gabriel Mascaro – diretor de documentários premiados como DOMÉSTICAS, A ONDA TRAZ O VENTO LEVA e AVENIDA BRASÍLIA TEIMOSA – não consegue ser totalmente ficcional. Tem um acentuado conteúdo documental que antecede e dialoga eficazmente com a ficção proposta a posteriori, costurando, nessa interseção, uma convincente fábula sobre o viver (e o morrer) numa pequena vila do litoral de Alagoas que está sendo engolida pelo mar. Uma comunidade real, à margem do poder público, onde nem a polícia consegue chegar, mas igual a tantas outras – factuais ou fictícias, aqui ou alhures – ainda isoladas da famigerada "aldeia global". 

No entanto o que mais chama atenção no longa não é sua ‘história’, e sim seu forte aparato estético, com tomadas absolutamente bem elaboradas, sofisticados enquadramentos estáticos, belíssimas imagens subaquáticas, e um desenho de som como há muito não se via no Cinema Brasileiro, criando uma ensurdecedora e impressionante interface Som X Silêncio. O resultado é um filme despojado e ao mesmo tempo grandiloquente; singelo, mas arrebatador. 

O diretor e fotógrafo Gabriel Mascaro ataca de ator no filme, encarnando um enigmático pesquisador que, munido de potente equipamento de gravação, aparece na vila para registrar o som dos ventos alísios. O personagem cria uma brincadeira metalinguística no longa, contextualizando a exuberante edição de som, que poderia está sendo captado por ele, se o mesmo não fosse apenas um personagem ficcional. Na verdade o excelente trabalho sonoro do filme é assinado por Maurício d’Orey (edição/mixagem), Victoria Franzan (som direto) e Moabe Filho (som adicional). 

Dandara de Moraes é a única atriz profissional do longa e faz sua estreia na telona. Ela recebeu por este trabalho o Candango de Melhor Atriz no 47º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, onde o filme também faturou Melhor Fotografia e o Troféu Vaga-Lume. No VII Janela Internacional de Cinema do Recife levou os prêmios de Melhor Som e Melhor Direção. 

VENTOS DE AGOSTO já nasce 'cult'. Nota 10 no quesito 'inovação em linguagem cinematográfica', o longa é uma pérola do naturalismo antropológico. Enfim, um filme inesquecível, do tipo que faz a cabeça de cinéfilos avisados e críticos desavisados, e mata de inveja uma legião de realizadores que venderiam a mãe por um quinhão de sua inventividade, tão genial quanto despretensiosa. Mas não se enganem: não é filme para o grande público. É uma obra para pequenas e seletas plateias de ventilados ao redor deste mundo ,, vasto mundo .. 

Então, pessoal, por favor, ventilem-se !! 


Dario PR

VENTOS DE AGOSTO ( 2014 / Brasil / Drama / 77’ ), de Gabriel Mascaro - por Carmem Cortez


Nordeste, vilarejo de Alagoas. Uma moça e um rapaz. Um povoado sem luz, sem perspectivas, sem histórias específicas e /ou especiais pra contar... A vida passa ao sabor dos Ventos de Agosto... ventos que trazem alguns estrangeiros, muito provavelmente de quando em vez – e com eles a cultura de alguma coisa que não cabe ou não caberia no lugar: tatuagem, musica punk, coca-cola – um pesquisador que quer escutar os ventos, e que não cabe ou não caberia também neste contexto.

A moça e o lugar também não cabem um no outro – ou parecem não caber. O rapaz e a moça, que vivem um relacionamento por forças circunstanciais, pescam, recolhem cocos… e namoram. A vida vai passando, se desenrolando nesta cidadela do Brasil de aparente não realce e de tons esmaecidos. A morte e a vida deixam de ser tão antagônicas assim como a gente conhece ou está acostumado a sentir. Tanto faz se chove, se faz sol, se é dia ou noite. Enfim, é talvez como Deus quiser.  

Há um aparente desânimo, mas a câmera denuncia certa tensão. Uma tensão que não se revela totalmente e se dispersa quando a morte se materializa através de um crânio ou corpo decomposto achado ao acaso, despertando assim outras sensações como a curiosidade ou sentimentos mais nobres como a comiseração. Este contraste existente no filme reforça a ideia de um Nordeste que se esqueceu de si e foi esquecido, onde o Estado, por exemplo, preguiçosamente se abstém de seus deveres, embora acessível a um toque de celular (pasmem, há sinal ainda que remoto de telefonia móvel). Uma disparidade que também serve para delinear o turbilhão de sentimentos amainados, guardados no recôndito dos seus personagens. Não há luz, mas há coca-cola. A polícia não chega, mas o punk chegou!

Este filme não caberia na quarta curva depois do rio, quebrando à esquerda, onde esta comunidade está localizada narrativamente, porque ele é grande. Grande em cada enquadramento, em cada composição visual, na sua grandiosidade de contar uma história aparentemente sem histórias.


Carmem Cortez