Poster de 2012, o filme |
Com a chegada do final dos tempos,
começaram a reaparecer os filmes do fim do mundo. E o tema já virou quase um
gênero. Primeiro foi o cinema catástrofe, mostrando com detalhes macabros e muitos
efeitos especiais a destruição da superfície da Terra e o desespero de
sobreviventes tentando inutilmente escapar. São filmes como 2012 (2009), O Dia Depois de Amanhã (2004), Armageddon (1998) etc. E agora surgem, pra minha
sorte, os filmes mais cabeça, que abordam
aspectos menos apocalípticos da
questão, tais como, o que fazer enquanto se espera o fim do mundo. Por esses
dias vi três filmes que abordam diferentes ângulos do mesmo assunto: 4:44 O Último Dia Na Terra (2011), Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo
(2012) e Melancolia (2011). Um tema
que não é nada novo no imaginário cultural do milênio, mas que agora, com a
chegada do 21/12/2012, volta a ser o assunto "da hora".
Em 1938 Assis Valente propôs o
seguinte roteiro: "Anunciaram e garantiram que o mundo ia
se acabar, por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar. Até
disseram que o sol ia nascer antes da madrugada, por causa disso, essa noite lá
no morro, não se fez batucada". E tem sido mesmo assim. Na maioria desses
filmes o mundo se acaba de madrugada. A noite vira dia, inundada pela luz
branca do fim do mundo. Aí meu amigo, pra maior parte das pessoas, o melhor a
fazer é mesmo rezar. E em todos os filmes desse sub-gênero tem sempre multidões
apelando à religião, e alguns cometendo suicídio. Na hora do vamos ver, deve
ser mesmo difícil segurar a onda. Deve ser mais ou menos a sensação de estar
caindo num avião ou pára-quedas desgovernado .. É entregar a alma, porque o
corpo invariavelmente irá se espatifar. Ainda assim não é o mesmo, porque o fim
do mundo, na expressão apocalíptica do termo, implica em extinguir a espécie da
superfície do planeta. Não vai sobrar ninguém pra ir a seu enterro ou rezar por
sua alma .. É interessante se imaginar nessa situação, porque ela relativiza
toda a existência humana sobre a Terra. Diante da perspectiva do não-existir, vem a pergunta: o que
realmente importa no existir? Coisas "invisíveis"
certamente vêm à tona.
Cena de 2012, o filme |
".. Pensei que o mundo ia se acabar, e fui tratando de me
despedir, sem demora fui tratando de aproveitar. Beijei na boca de quem não
devia, peguei na ‘mão’ de quem não conhecia .." Aproveitar desmensuradamente
o bom da vida também é outro mote que se repete em todas as histórias do fim do
mundo. Quem dera fosse fácil numa hora dessas! Na verdade são várias as coisas
que se repetem. Os enredos são tão próximos que parece plágio, mas talvez não
seja. É o imaginário coletivo que, diferentemente dos roteiros, tem uma
multidão de autores, podendo qualquer um, a qualquer momento, contar sua versão
da mesma história.
O segundo filme que eu vi, já em consequência
do primeiro, foi Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo, que acaba de ser
lançado em dvd e blu-ray pela Paris
Filmes. Uma ‘comédia’ hollywoodiana da qual eu vinha fugindo nos últimos meses.
O título me remeteu a bela canção de Chris Cornell que, em 1999, se coloca diante
da questão nos versos de "Preaching the End of the World", onde confessa
não querer passar o fim do mundo sozinho e procura desesperadamente alguém com quem
possa compartir esses momentos finais. "Cause all has been gone and all has been done and there's nothing
left for us to say, but we could be together as they blow it all away, and we
could share in every moment as it breaks .. So call and I'll get right back, if
your intentions are pure, I'm seeking a friend for the end of the world."
Cena de Procura-se Um Amigo Para O Fim Do Mundo |
O filme segue a linha romântica
da canção de Cornell. Os protagonistas buscam um encontro com encaixe perfeito
para viverem, às pressas, uma linda história de amor .. Como se houvesse clima
para se amar num momento desses! Enfim, talvez na onda do Assis Valente, a
roteirista e diretora Lorene Scafaria tenta fazer da história uma comédia - "God, it's the end of the world and I'm still
15 minutes late" - mas nem sempre dá certo. O protagonista Dodge (Steve Carell, chato) é
abandonado pela esposa tão logo é anunciado pela mídia que não há mais jeito,
que um asteróide de 100km² vai invariavelmente se chocar contra a Terra, acabando
a vida no planeta. Daí começa sua busca por um amor que dê sentido aos dias que
restam .. E adivinhem quem ele encontra: a vizinha, Penny (Keira Knightley, irretocável).
Eles tentam se apaixonar antes que o mundo acabe. Não sei se conseguem. A mim não
convenceu. O filme começa bem, mas do meio pro fim trilha o caminho sem volta
da pieguice açucarada, que não combina nem um pouco com o fim do mundo. Uma
pena.
Cena de 4:44 O Ultimo Dia Na Terra |
Voltando à MPB, Paulinho Moska em
1995 ressuscita o tema na canção O Último Dia: "Meu amor, o que você faria se só te restasse um dia. Se o mundo fosse acabar, me diz
o que você faria. Ia manter sua agenda de almoço, hora, apatia, ou ia esperar
seus amigos na sua sala vazia .. Corria para um shopping center ou para uma
academia, pra se esquecer que não dá tempo pro tempo que já se perdia" .. É
nessa linha que segue o roteirista e diretor Abel Ferrara no filme 4:44 O
Último Dia na Terra, o primeiro que eu vi, por estar na programação do Festival
4+1 e na lista dos 10+ do ano da Revista Cahiers
du Cinéma. A abordagem aqui fica muito mais tensa. Não se tratam de dias,
mas de horas. Já não é a questão de encontrar alguém pra amar, mas a de
continuar acreditando no amor numa hora dessa. O mundo vai se acabar exatamente
às 4:44 da madrugada. O que fazer nesses momentos finais? Que atitudes,
sentimentos e pensamentos vêm à tona? Seriam emoções reais, ou simulacros
criados pelo horror diante da iminência do fim? "Andava pelado na chuva, corria no meio da rua, entrava de roupa
no mar, trepava sem camisinha .. Abria a porta do hospício, trancava a da
delegacia .. Dinamitava o meu carro, parava o tráfego e ria" ..
Willem Dafoe em cena de 4:44 O Último Dia Na Terra |
Os protagonistas são um casal de
artistas, o ator Cisco e a pintora Skye. Eles moram num belo loft em New York City, e resolvem encarar juntos seus fantasmas do fim do
mundo. Decidem passar as últimas 10 horas produzindo, fazendo amor, se
despedindo de parentes e amigos pelo skype,
comendo, refletindo .. E aí não tem jeito. Somente um diretor "de peso" pode dar emoção e credibilidade a personagens vivendo nesse
limite existencial. Abel Ferrara é um
dos ícones do cinema independente americano, e chega pleno de sabedoria a seu
33º filme, 11º como roteirista. Ele faz, com baixo orçamento, um filme em que
até o mais cético dos agnósticos consegue mergulhar. A seu dispor, tem um ator
magistral, Willem Dafoe, em pleno vigor aos 56 anos, e com mais de 70 filmes na
bagagem. Já é o terceiro filme em que diretor e ator se encontram com bons
resultados. Se você tiver a oportunidade, não deixe de ver 4:44 Last Day on Earth. Porém
já aviso: não é "comédia
romântica". É o tipo de filme
que desagrada o grande público e faz a alegria dos críticos.
Cena de Melancholia, de Lars Von Trier |
E o terceiro filme que (re)vi - em
dvd lançado no início do ano pela Califórnia Filmes - foi o europeu Melancolia (2011), do dinamarquês Lars
Von Trier. Voltei a esse filme já obcecado pela ideia do fim do mundo e
tentando assimilar como os diferentes realizadores resolviam os entraves plásticos
e conceituais inerentes ao tema. E eu ouso dizer que talvez seja o melhor filme
já feito com o tema do fim do mundo. É belo, pungente, poético, e usa a
reflexão existencial apocalíptica pra fazer um esplêndido exercício estético. A
introdução, de oito minutos, mostra uma sucessão de deslumbrantes imagens
oníricas que praticamente sintetizam o roteiro, ao som de Tristão e Isolda
(Wagner). As protagonistas são duas irmãs, a melancólica Justine e a
dissimulada Claire (Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg, sublimes), que reagem
de modo diferente à notícia de que um gigantesco planeta entrou em rota de
colisão com a Terra. Aliás, esse artifício se repete na maioria dos filmes
sobre o fim do mundo. Se a ficção científica é mesmo capaz de prenunciar
verdades históricas (Júlio Verne que o
diga!), então podemos supor que, caso esse nosso mundo um dia se acabe,
será através de uma colisão da Terra com outra esfera celeste. E, se depender
da imaginação de Lars Von Trier, essa esfera será um planeta sem órbita, metaforicamente
chamado de Melancholia, e o fim do mundo virá carregado de poesia,
música e beleza transcendentais.
Como na canção-presságio de
Caetano Veloso: "Virá numa velocidade estonteante e
pousará no coração do hemisfério sul - na América - num claro instante .. Virá
impávido .. apaixonadamente .. tranqüilo e infalível .. Em todo sólido, todo
gás e todo líquido .. Em átomos, palavras, alma, cor, em gesto, em cheiro, em
sombra, em luz, em som magnífico .."
Kirsten Dunst (Justine) em cena de Melancholia |
O fato é que a idéia do fim do
mundo continuará sendo enredo de muitas histórias, livros, canções e filmes,
pois está enraizada nas camadas mais profundas do imaginário popular e do
inconsciente coletivo. Assim como o homem tem como única e inabalável a certeza
de sua finitude, a humanidade sabe que seu mundo - esse mundo que ela inventou
e acha que é único - inevitavelmente vai um dia encontrar seu desfecho final.
Como um filme que, mesmo sem começo-meio-e-fim, depois de alguns minutos (uns
mais outros menos) acaba por terminar. Preparemo-nos pois .. Você, Assis Valente,
Trier, Cornell, Ferrara, Moska, Caetano, everybody,
e eu.
E até o próximo Fim do Mundo, a Gênese.
.DarioPR
"E aquilo que nesse momento se revelará aos povos, surpreenderá a
todos. Não por ser exótico, mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto,
quando terá sido .. o óbvio. "
"Chamei um gajo com quem não me dava e perdoei a sua ingratidão.
Festejando o acontecimento gastei com ele mais de quinhentão. Agora eu soube
que o gajo anda dizendo coisa que não se passou .. Xii !! Vai ter barulho e vai ter
confusão, porque o mundo não se acabou."