Nossa (auto)biografia é construída pelo acúmulo de períodos
de tempo e de experiências vividas ao longo de meses, anos, décadas. Varia de acordo
com a maneira como interpretamos os fatos, e só é elaborada enquanto coisa - “o
passado” - a posteriori, quando olhamos pra trás e começamos a contá-la. Logo, é (ou deveria ser) pessoal e intransferível.
Por fazer parte do processo de subjetivação do ser, nossa biografia parece tão única, tão ímpar, que dificilmente imaginamos que podem existir centenas de pessoas com o passado igual ao nosso, talvez milhares. Ou seja: o passado, quando observado de um ponto de vista impessoal e distanciado, é previsível, reproduzível, consequentemente passível de ser recriado. É isso que fazem os grandes ficcionistas com seus principais personagens, criam um passado para eles ..
Por fazer parte do processo de subjetivação do ser, nossa biografia parece tão única, tão ímpar, que dificilmente imaginamos que podem existir centenas de pessoas com o passado igual ao nosso, talvez milhares. Ou seja: o passado, quando observado de um ponto de vista impessoal e distanciado, é previsível, reproduzível, consequentemente passível de ser recriado. É isso que fazem os grandes ficcionistas com seus principais personagens, criam um passado para eles ..
Vicente (Lázaro Ramos) é uma espécie de ficcionista que
também constrói passados, só que profissionalmente, para pessoas reais que
estejam querendo se livrar do seu e possam pagar por isso. O pacote inclui um
portfólio com fotos, documentos, vídeos, cartas, até objetos garimpados
em brechós que ajudem o cliente a reinventar sua história. Legalmente falando, ele é um falsário.
Na construção de sua própria biografia enquanto personagem
(que também está em jogo no filme), Vicente se auto absolve da atividade
ilícita por recriar a história de pessoas vitimizadas por sofrimentos tão
cruéis em seus passados, que certamente o melhor mesmo é esquecê-los e
reinventá-los. Um dia aparece em seu estúdio-casa uma cliente linda e misteriosa
que lhe encomenda um passado, que pode ser qualquer um. Só lhe pede uma coisa: que ela tenha
cometido um crime.
Com essa ótima premissa começa O Vendedor de Passados, e
segue interessante, com personagens bem construídos e uma trama que parece
alinhavada em planilha. A produção da Conspiração é caprichada, rica em
detalhes; a direção de arte se esmera na garimpagem de objetos cênicos
envolventes que de fato ajudam o espectador a “entrar” no filme.
O elenco – encabeçado por Lázaro Ramos e Alinne Moraes em
belas performances – consegue dar consistência a personagens que poderiam facilmente cair na incredibilidade. A direção de Lula Buarque de Hollanda (O Mistério do
Samba) é econômica, usa poucos recursos estéticos, numa decupagem básica, sem
pretender inovações de linguagem, o que acaba por nos fazer
focar mais na história que na fotografia do filme.
O roteiro de Isabel Muniz baseado em romance de mesmo nome (que está sendo relançado junto com o filme) do angolano José Eduardo Agualusa, flui bem na tela. O foco colocado sobre a
estratégia dramática pesa um pouco no terço final, quando o filme dá uma
ralentada, mas não chega a prejudicar o todo. Há momentos balanceados de tensão, humor,
sexo, suspense, romance, música e reflexão que tornam o filme bem agradável. Eu
gostei de ter visto.
De quebra, saímos do cinema com uma pergunta ecoando no pensamento: como está sendo construída nossa própria biografia, o que dela é imexível, o que já modificamos, o que ainda pode ser mudado, no presente, no futuro e no passado?
De quebra, saímos do cinema com uma pergunta ecoando no pensamento: como está sendo construída nossa própria biografia, o que dela é imexível, o que já modificamos, o que ainda pode ser mudado, no presente, no futuro e no passado?
Dario P Regis