O VENDEDOR DE PASSADOS ( 2015 / Drama / Brasil ), de Lula Buarque de Hollanda – por Dario P Regis


Nossa (auto)biografia é construída pelo acúmulo de períodos de tempo e de experiências vividas ao longo de meses, anos, décadas. Varia de acordo com a maneira como interpretamos os fatos, e só é elaborada enquanto coisa - “o passado” - a posteriori, quando olhamos pra trás e começamos a contá-la. Logo, é (ou deveria ser) pessoal e intransferível. 

Por fazer parte do processo de subjetivação do ser, nossa biografia parece tão única, tão ímpar, que dificilmente imaginamos que podem existir centenas de pessoas com o passado igual ao nosso, talvez milhares. Ou seja: o passado, quando observado de um ponto de vista impessoal e distanciado, é previsível, reproduzível, consequentemente passível de ser recriado. É isso que fazem os grandes ficcionistas com seus principais personagens, criam um passado para eles ..

Vicente (Lázaro Ramos) é uma espécie de ficcionista que também constrói passados, só que profissionalmente, para pessoas reais que estejam querendo se livrar do seu e possam pagar por isso. O pacote inclui um portfólio com fotos, documentos, vídeos, cartas, até objetos garimpados em brechós que ajudem o cliente a reinventar sua história. Legalmente falando, ele é um falsário.

Na construção de sua própria biografia enquanto personagem (que também está em jogo no filme), Vicente se auto absolve da atividade ilícita por recriar a história de pessoas vitimizadas por sofrimentos tão cruéis em seus passados, que certamente o melhor mesmo é esquecê-los e reinventá-los. Um dia aparece em seu estúdio-casa uma cliente linda e misteriosa que lhe encomenda um passado, que pode ser qualquer um. Só lhe pede uma coisa: que ela tenha cometido um crime.

Com essa ótima premissa começa O Vendedor de Passados, e segue interessante, com personagens bem construídos e uma trama que parece alinhavada em planilha. A produção da Conspiração é caprichada, rica em detalhes; a direção de arte se esmera na garimpagem de objetos cênicos envolventes que de fato ajudam o espectador a “entrar” no filme.

O elenco – encabeçado por Lázaro Ramos e Alinne Moraes em belas performances – consegue dar consistência a personagens que poderiam facilmente cair na incredibilidade. A direção de Lula Buarque de Hollanda (O Mistério do Samba) é econômica, usa poucos recursos estéticos, numa decupagem básica, sem pretender inovações de linguagem, o que acaba por nos fazer focar mais na história que na fotografia do filme.

O roteiro de Isabel Muniz baseado em romance de mesmo nome (que está sendo relançado junto com o filme) do angolano José Eduardo Agualusa, flui bem na tela. O foco colocado sobre a estratégia dramática pesa um pouco no terço final, quando o filme dá uma ralentada, mas não chega a prejudicar o todo. Há momentos balanceados de tensão, humor, sexo, suspense, romance, música e reflexão que tornam o filme bem agradável. Eu gostei de ter visto. 

De quebra, saímos do cinema com uma pergunta ecoando no pensamento: como está sendo construída nossa própria biografia, o que dela é imexível, o que já modificamos, o que ainda pode ser mudado, no presente, no futuro e no passado?


Dario P Regis