A Bíblia, que levou milhares de anos sendo escrita e é
considerada por bilhões de pessoas como a palavra de Deus, já inspirou grandes
obras de arte. Kreuzweg, filme alemão do diretor Dietrich Brüggemann, mostra o
martírio de uma adolescente cristã, Maria (Lea Van Acken em excelente atuação),
seguidora de uma igreja ultra-conservadora, a Católica fundamentalista, que não
aprova o Concílio Vaticano II, ainda reza missa em latim, continua com as mesmas
práticas medievais, e termina alçando o demônio que juram combater a
protagonista, esquecendo do Amor que Cristo pregava.
Completamente enredada na lavagem cerebral dos fanáticos
Maria segue as 14 Estações de Cristo, que são inter-títulos do filme, na mesma via crucis sadomasoquista, mas em pleno
século XXI. A perversidade da mãe (Franziska Weisz) é tão bem exibida
que há um gozo sádico nas expressões da ótima atriz. O pai é de uma passividade
revoltante. Dos três irmãos menores, o mais novo de quatro anos se recusa a
falar, e essa "doença" será o catalisador que Maria encontra para sua
fuga rumo ao Paraíso.
A empregada Bernadette (Lucie Aron), estrangeira que fala
mal o alemão, é admirada por Maria por
ser madura, ou seja, normal! E o doce amiguinho da escola, Christian (Moritz
Knapp) - que achei que poderia ter um nome mais "satânico", Lucious,
ou contestador, Jörg Mario, por exemplo, já que ele canta Gospel e Soul, além
do divino Bach, no Coral - é uma tentação de carne e osso e vida prosaica, bom
demais para ser permitido na lógica insana deles. A cena dos colegas de escola
põe a questão da tolerância en passant.
O que é tolerância? Qual o limite da liberdade e da autoridade se houver risco
à vida?
É um filme para estômagos fortes, com câmera parada que
lembra Kenji Mizogushi (também no sofrimento). Talvez fosse melhor classificado
como filme de horror! O esvaimento do corpo anoréxico de Maria é um pálido
reflexo do que aconteceu com a mente dela.
Alguém desavisado poderia considerar uma ficção absurda,
inexistente. Mas por incrível coincidência há poucos dias houve em Nova
Friburgo o encontro de um grupo Católico ultra conservador que se rebela contra
o Papa Francisco, nega o holocausto, e educam as crianças da mesma forma vista no
filme.
Talvez a passagem do politeísmo, onde os deuses tinham
qualidades humanas, para o monoteísmo tenha afastado demais certas mentes
perversas das maravilhosas atividades terrenas, entre as quais tomar sorvete,
cantar em coral e fazer bons filmes como este!
Cristina Paraguassu