14 ESTAÇÕES DE MARIA ( 2014 / Alemanha / drama / 110’ / Kreuzweg ), de Dietrich Brüggemann – por Cristina Paraguassu.


A Bíblia, que levou milhares de anos sendo escrita e é considerada por bilhões de pessoas como a palavra de Deus, já inspirou grandes obras de arte. Kreuzweg, filme alemão do diretor Dietrich Brüggemann, mostra o martírio de uma adolescente cristã, Maria (Lea Van Acken em excelente atuação), seguidora de uma igreja ultra-conservadora, a Católica fundamentalista, que não aprova o Concílio Vaticano II, ainda reza missa em latim, continua com as mesmas práticas medievais, e termina alçando o demônio que juram combater a protagonista, esquecendo do Amor que Cristo pregava.

Completamente enredada na lavagem cerebral dos fanáticos Maria segue as 14 Estações de Cristo, que são inter-títulos do filme, na mesma via crucis sadomasoquista, mas em pleno século XXI. A perversidade da mãe (Franziska Weisz) é tão bem exibida que há um gozo sádico nas expressões da ótima atriz. O pai é de uma passividade revoltante. Dos três irmãos menores, o mais novo de quatro anos se recusa a falar, e essa "doença" será o catalisador que Maria encontra para sua fuga rumo ao Paraíso.

A empregada Bernadette (Lucie Aron), estrangeira que fala mal o alemão, é admirada por Maria por ser madura, ou seja, normal! E o doce amiguinho da escola, Christian (Moritz Knapp) - que achei que poderia ter um nome mais "satânico", Lucious, ou contestador, Jörg Mario, por exemplo, já que ele canta Gospel e Soul, além do divino Bach, no Coral - é uma tentação de carne e osso e vida prosaica, bom demais para ser permitido na lógica insana deles. A cena dos colegas de escola põe a questão da tolerância en passant. O que é tolerância? Qual o limite da liberdade e da autoridade se houver risco à vida?

É um filme para estômagos fortes, com câmera parada que lembra Kenji Mizogushi (também no sofrimento). Talvez fosse melhor classificado como filme de horror! O esvaimento do corpo anoréxico de Maria é um pálido reflexo do que aconteceu com a mente dela.

Alguém desavisado poderia considerar uma ficção absurda, inexistente. Mas por incrível coincidência há poucos dias houve em Nova Friburgo o encontro de um grupo Católico ultra conservador que se rebela contra o Papa Francisco, nega o holocausto, e educam as crianças da mesma forma vista no filme.

Talvez a passagem do politeísmo, onde os deuses tinham qualidades humanas, para o monoteísmo tenha afastado demais certas mentes perversas das maravilhosas atividades terrenas, entre as quais tomar sorvete, cantar em coral e fazer bons filmes como este!


Cristina Paraguassu