São tiros mortais ou apenas fogos de artifício? O que se passa quando o crítico de cinema resolve mudar de lugar e fazer o filme? Essa “dança das cadeiras” acontece no deslumbrante O SOM AO REDOR (Neighbouring Sounds no título internacional), primeiro e ambicioso longa de ficção do crítico e cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho. Ele já tinha feito seis curtas e um longa documental, Crítico (de 2007), que registra sua experiência jornalística de oito anos em cobertura cinematográfica.
O filme retrata uma vizinhança de classe média no Recife que tem sua rotina mudada por milicianos que chegam oferecendo serviço de segurança particular aos moradores. As cenas iniciais não me causaram boa impressão: a história me pareceu pouco consistente, as atuações me pareceram frágeis, a captação em película me pareceu velha, e tive a impressão que a imagem estava meio .. fora de foco. Pois bem, nesse filme, nada do que parece, é. Tudo se transforma ao longo das mais de duas horas de projeção. Os atores vão cena-a-cena vestindo seus personagens com convicção e realismo. O roteiro vai se transmutando numa bem alinhavada teia que mescla com presteza suspense policial, pequenos dramas familiares, e momentos precisos de lirismo, sensualidade e poesia. A direção vai se revelando de extremo profissionalismo, com movimentação de câmera rara e criativa e absoluto domínio da linguagem cinematográfica.
O filme começa com fotos em P&B de um canavial. Depois passa a uma rua. Uma rua que tem vários personagens, todos vizinhos, vivendo dramas comuns, como o roubo de toca-fitas nos carros que dormem na rua, e dramas pessoais, como no caso de Bia, casada e mãe de um casal de adolescentes, que vive atormentada pelos latidos do cachorro da vizinha. Os personagens vão se multiplicando à medida que o filme avança, mas em nenhum momento o espectador os perde, muito pelo contrário, ele vai sendo envolvido numa teia de tipos e acontecimentos que se entrecruzam e o conduzem a diversos becos, sempre na mesma rua. Como num labirinto, apenas um desses becos o levará à saída. Cabe ao espectador acertar o beco. Ou não.
Grande parte das cenas reproduz uma imagem que, em tese, estaria sendo captada por câmeras de segurança. Aquelas que estão em todos os lugares, que quase ninguém lembra que existem, e que por isso mesmo captam uma realidade outra: a intimidade e o desprendimento das pessoas (no caso aqui: das personagens) quando não se dão conta que estão sendo filmadas. Esse ponto-de-vista conceitual, ao desnudar-se, traz uma perspectiva inteiramente nova ao filme, que se re-significa magicamente aos olhos do espectador. Outro ponto alto é a edição sonora, que recheia momentos do mais tóxico silêncio com uma bizarra sinfonia de barulhos urbanos .. uma verdadeira cacofonia de sons, alguns imaginários e outros reais, que vão, ruído-a-ruído, compondo um universo cinematográfico único, de medos e perigos, tanto imaginários quanto reais.
Na atuação, merece olhar especial o trabalho de Maeve Jinkings (Falsa Loura, Era uma vez eu, Verônica), Irandhir Santos (Tropa de Elite 2, Febre do Rato) e do escritor-poeta-ator W.J. Solha. As filmagens foram feitas em seis semanas e quatro dias, entre julho e agosto de 2010. A fotografia é de Pedro Sotero e Fabricio Tadeu; a direção de arte, de Juliano Dornelles; a montagem, de Kleber e João Maria, levou um ano e dois meses para ficar pronta. A trilha sonora é do DJ Dolores e o desenho de som é assinado também por Kleber e Pablo Lamar. O corte final tem 131 minutos.
Ainda sem data de estreia prevista, O SOM AO REDOR será distribuído no Brasil pela Vitrine Filmes. Uma obra ímpar e atemporal. Quem viver, verá.
Até amanhã
.DarioPR
ALGUNS PRÊMIOS DE O SOM AO REDOR:
- Prêmio de Melhor Filme no Festival CPH PIX em Copenhague, Dinamarca.
- Prêmio da Federação Internacional de Críticos de Cinema - FIPRESCI - no Festival Internacional de Rotterdam, Holanda.
- Prêmio da Crítica no Festival New Horizons, em Wroclaw, Polônia.
- Não foi selecionado pelo Festival de Brasília ano passado.