Top 10 Brasil 2012 – Ficção


Não é um ranking. Filmes não são cavalos de corrida disputando a ordem de chegada. É apenas uma lista – mais uma – completamente pessoal, e em ordem alfabética, dos filmes que mais me marcaram no ano. Usei como critério de inclusão os que tiveram em 2012 sua primeira exibição em salas de cinema, seja em festivais, seja em circuito comercial. 

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2 COELHOS – São Paulo.

O Cinema Brasileiro põe nas telas mais um bom filme de ação, com pitadas de suspense e algum romance. 2 COELHOS consegue trazer algo diferente, com ousadia estética, trama ágil, bons efeitos especiais, e uma história bem alinhavada, em diversas camadas, feito antes de tudo para seduzir o espectador, mas com inteligência. Tanto que o filme vai ter um remake em Hollywood. O roteiro é condizente com o título e conta a história de um rapaz que quer matar dois coelhos com uma cajadada só. No elenco, Fernando Alves Pinto, Caco Ciocler, Marat Descartes, Alessandra Negrini, Robson Nunes.

Afonso Poyart, Fernando Alves Pinto, Alessandra Negrini e Caco Ciocler no lançamento de 2 Coelhos

Eis o que disse o diretor Afonso Poyart sobre seu filme: “Procurei alguns textos, livros e roteiros, mas logo entendi que este meu primeiro filme tinha que ser algo muito pessoal, algo que eu mesmo deveria escrever. Então, resolvi fazer um tema atual, que tivesse uma identificação imediata com o dia-a-dia dos habitantes deste país. Tanto a corrupção quanto a criminalidade são temas recorrentes para nós brasileiros. Daí pensei que podia partir de um cidadão comum que resolve fazer justiça com as próprias mãos. Então ele bola um plano mirabolante que acaba por colocar corruptos e criminosos em rota de colisão.”
Ganhou o Golden Maple como melhor filme do BRAFFTV em Toronto.

A BUSCA – São Paulo.

O longa teve sua Prèmiere no Festival de Sundance em fevereiro, então se chamava A CADEIRA DO PAI (título que eu gosto mais). Quando ganhou Melhor Filme pelo júri popular no Festival do Rio já se chamava A BUSCA. Também passou com sucesso na Mostra Internacional de São Paulo. E foi destaque nas edições de Toronto e Montreal do Brazil Film FestCom estréia em circuito prevista pro primeiro semestre de 2013, o filme abusa do direito de ser bom, e tem Wagner Moura em grande performance, além de Mariana Lima e Brás Antunes (filho de Arnaldo). Eu vi no festival do Rio e vou querer ver de novo, é certo.

Wagner Moura e Mariana Lima em cena de A Busca

O diretor, Luciano Moura, fala muito e fala bem. Vejam o que disse sobre seu filme:
“A história é a da relação pai e filho, mas também é uma história pra falar de vulnerabilidade, de como é difícil viver com essa sensação de ser vulnerável. Théo tenta formar uma família perfeita, é um cara que controla tudo e acha que sempre fez tudo certo, e quando essa família começa a ruir a sua volta, ele não entende por que isso acontece. Na viagem que faz em busca do filho, ele começa a entender o filho e a ele próprio. É aí que o filme se passa ..
“É um thriller dramático porque tem o suspense pela busca do filho que sumiu e ao mesmo tempo tem o drama da família que está se dissolvendo. Na verdade não pensei nessa coisa de mistura de gêneros. Tudo foi se desenvolvendo de forma natural. A única coisa pensada é que não queríamos falar demais, explicar os acontecimentos ..
“Wagner Moura era o ator certo para o papel. Pela idade, tipo, talento e até porque ele é pai também. Quando leu o roteiro, ele entendeu tudo isso e de primeira aceitou fazer. É bom trabalhar com gente boa, é fácil. Os atores se dedicam, vão fundo e trazem elementos para o personagem que eu nem tinha imaginado ..
“A publicidade me deu régua e compasso, me deu a prática de estar trabalhando muito, o tempo todo. Meu filme foi feito em 6 semanas, até aí tudo bem, só que eram 38 locações em 6 semanas. Segurar essa onda, ir bem, acabar sem estouro, e manter o clima bacana .. pra isso tem que ter prática, você não pode filmar pouco!”
Quando vi no Festival do Rio, A BUSCA me causou forte impressão. Taí o link da crítica que fiz na época: A Busca.


A FLORESTA DE JONATHAS – Amazonas.

O belo longa de estreia do amazonense Sergio Andrade rendeu o prêmio de Melhor Ator no 9º Amazonas Film Festival para Begê Muniz, e foi o primeiro filme amazonense a competir na Première Brasil do Festival do Rio. Inspirado numa história real, A FLORESTA DE JONATHAS escapa dos clichês ‘amazônicos’, mistura cultura indígena à ucraniana, e representa um passo na descentralização cultural do Cinema Brasileiro. Jonathas (Begê Muniz) é um jovem amazonense que vende frutas à beira da estrada e “acidentalmente” acaba se perdendo na floresta. Esse embate com a solidão, o medo, o não saber mais (e ter que aprender) como sobreviver na mata, faz com que sua trajetória se torne uma experiência cinematográfica ímpar de silêncios e de sombras. As mesmas árvores que o protegem e o alimentam, também o observam e o oprimem, nos fazendo notar que a floresta está tão fora quanto dentro dele. É essa floresta mítica, sensorial, metafórica, subjetiva, a um só tempo terrorífica e paradisíaca, que faz deste filme uma obra superior. Quando o vi no Festival de Manaus, uma senhora a meu lado chorava copiosamente. Ao término da sessão fiquei sabendo que ela também havia passado pelo perrengue de se perder na mata. Nem ouso pensar ..

Begê Munis em cena de A Floresta de Jonathas

Diz Sergio Andrade sobre o seu filme: “A FLORESTA DE JONATHAS se interessa pelo cotidiano, o linguajar e o semblante do ‘homem do norte’, tão pouco visto e abordado no cinema brasileiro. A princípio quisemos nos basear na história real de Jonathan, um jovem de 18 anos que viveu em área rural do Amazonas e, de repente, de forma quase inexplicável, sumiu completamente na floresta, mas a ficção acabou fazendo com que o longa se tornasse muito diferente da história real e tão somente uma homenagem a Jonathan, que passa a se chamar Jonathas. A terrível história real de Jonathan me impressionou muito como leitor, mas A FLORESTA DE JONATHAS, no entanto, não é um filme sobre um rapaz perdido, e sim sobre o ‘não pertencer’, sobre o ‘estar isolado’.”
O longa foi selecionado para o 42º Festival de Cinema de Rotterdam  na Holanda, que acontece entre 23 de janeiro e 3 de fevereiro. Será sua estréia internacional num dos festivais de cinema mais prestigiados do mundo.

CARA OU COROA – São Paulo.

São Paulo, inverno de 1971, regime militar no Brasil, uma peça de Bertold Brecht, um grupo de jovens atores, pessoas comuns, com problemas comuns, porém cientes da ditadura e de que era preciso ser contra, ainda que modestamente, ainda que por ações corriqueiras. É através de uma afiada direção de atores que Ugo Giorgetti consegue dar a seu filme a dimensão subjetiva necessária para falar da ditadura com densidade e sem resvalar no panfletarismo. A fotografia é do mestre Walter Carvalho. No elenco Emílio de Mello, Otávio Augusto, Geraldo Rodrigues, Júlia Ianina e Walmor Chagas em seu último filme.

Cena de Cara ou Coroa

O diretor Ugo Giorgetti discorre sobre seu longa: “Minha ambição era falar mais do período que da ditadura. A ditadura é um componente importantíssimo do período, lógico. Todas as idéias que vinham de fora naquele período, a ditadura podia tentar reprimir, mas não conseguia conter. Foi um período esfuziante em matéria de agitação cultural e de comportamento. Paradoxalmente, nunca se desafiou tanto a autoridade quanto naquele momento.”
Na contramão de uma tendência, CARA OU COROA não passou pelo circuito dos festivais.

COLEGAS – São Paulo.

Os COLEGAS estão ‘metidos a besta’, se apresentando em festivais internacionais e voltando com muitos prêmios na bagagem. Acabam de ganhar melhor filme pelo júri popular no Festival de Cine Latino de Trieste na Itália, e melhor filme no International Disability Film Festival em Moscou. No Brasil o filme faturou três kikitos em Gramado – melhor filme, melhor direção de arte, e prêmio especial do júri para o trio protagonista (Ariel Goldenberg, Rita Pokk e Breno Viola). Na Mostra Internacional de São Paulo ganhou o Prêmio da Juventude de melhor filme brasileiro e também o do júri popular. No Festival do Amazonas foi o filme de Abertura, no Festival do Rio foi exibido em sessão Hors Concours, e passou bonito pelos festivais de Florianópolis, Santos, Londrina, Utah etc e tal .. São muito poucos os filmes brasileiros que fazem uma carreira tão meteórica quanto esse. A estréia em salas comerciais está agendada para 1º de março de 2013, só para COLEGAS ..

Rita Pokk, Marcelo Galvão e Breno Viola

Com a palavra o diretor Marcelo Galvão: “Uma referência que usei bastante foi ‘Forrest Gump’, principalmente pelos enquadramentos, pelos planos abertos. Eu quis sair um pouco daquele lance de filme brasileiro estilo televisão, onde tudo é muito fechado. Até os closes são abertos. A gente tem muita lente angular no filme, que também é uma característica do ‘Forrest Gump’. A leveza também ..”
A verdade é que COLEGAS tem aquela inexplicável ‘magia cinematográfica’ que marca a história dos grandes filmes. Ele abocanha o espectador. Eis a matéria que escrevi quando o vi a primeira vez em Gramado: Caríssimos Colegas.


ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA – Pernambuco.

Segundo longa de Marcelo Gomes, levou melhor filme nos Festivais de Brasília e do Amazonas, além de ter feito uma bela passagem no Vivo Open Air Recife e nos Festivais de Havana, Mar Del Plata, Vitória (sessão de encerramento), São Paulo, San Sebastian (Menção Honrosa) e Toronto. Estreou no circuito comercial em novembro, com poucas cópias e apenas em algumas capitais, mas vem conquistando as platéias por onde passa. É um longa hipnótico e às vezes onírico. Faz um mergulho, quase documental, na vida de uma jovem psiquiatra brasileira às voltas com seus pacientes e suas próprias loucuras. Ela usa um gravador como analista, que de fato somos nós, espectadores ouvintes .. É um filme denso, introspectivo, polêmico, magnífico! Merece todos os prêmios que já recebeu e os que ainda virão. É (con)centrado numa única personagem, narrado em primeira pessoa, e só uma atriz de grande envergadura poderia encarnar dra. Verônica sem comprometer a integridade do longa. Hermila Guedes consegue ser essa atriz que o personagem demanda, tornando-se o grande trunfo do filme. Sua entrega à personagem é impressionante, lhe rendeu o prêmio de melhor atriz em Manaus e lhe coloca no Olimpo das divas do Cinema Brasileiro. O filme tem ainda marcantes atuações de W. J. Solha – melhor ator coadjuvante em Brasília – e João Miguel, num personagem tão difícil quanto sensual. O dupla Hermila e João tem uma ‘química’ contagiante. Os atores já haviam trabalhado com Marcelo Gomes em Cinema, Aspirinas e Urubus, seu primeiro e premiadíssimo longa. 

 
Hermila Guedes, Marcelo Gomes e W. J. Solha

Eis o que diz o diretor Marcelo Gomes sobre ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA:  “É um filme sem respostas, mas com a convivência do espectador com aquela personagem cheia de dúvidas. O cinema, na maioria das vezes, não tem espaço para dúvidas e para personagens que não sejam de exclusão. Verônica é uma profissional que trabalha, que vai para casa, tem família, amigos, que faz sexo, que às vezes namora e que tem dúvidas. Ou seja, Verônica é como a maioria da população mundial”.

GONZAGA, DE PAI PRA FILHO – Rio de Janeiro.

Mais uma cinebiografia musical sobre a relação pai-e-filho sob a tutela de Breno Silveira (Os 2 Filhos de Francisco). Esse, especialmente esperado, por ser o ápice da celebração do centenário de Luiz Gonzaga, e por ter aberto o Festival do Rio em setembro de 2012.
Breno Silveira nos últimos anos se tornou uma marca no cinema nacional, autor de filmes que dialogam com a MPB e cuja característica mais marcante é a intenção de alcançar o grande público. E nesse ponto autor e personagem se encontram. Luiz Gonzaga almejava o mesmo. Queria o aplauso do público, tocava e cantava para ele, levou sua meta às ultimas consequências e tornou-se o Rei do Baião, sacrificando no caminho até seus vínculos familiares e amorosos. A história do filme é um ‘achado’! Foca justamente na difícil relação dele com o filho também ilustre. Nunca na música brasileira um pai e um filho conseguiram ser tão diferentes como esses dois, inclusive fisicamente.
Breno Silveira foi o único diretor nacional que conseguiu emplacar dois sucessos de bilheteria em 2012. No primeiro semestre havia lançado À Beira do Caminho, com João Miguel e Dira Paes, que saiu do Festival de Recife com 5 troféus Calungas na bagagem, e há quem diga ser tão bom quanto Gonzaga. 

Breno Silveira canta com Chambinho do Acordeon

Vamos às palavras de Breno Silveira sobre GONZAGA: “Eu vinha procurando uma história para o próximo filme e um dia me chegaram as fitas K7 com as entrevistas que o Gonzaguinha tinha feito com o pai, onde Gonzagão lhe contava praticamente toda sua vida. Eu fiquei muito emocionado ao ouvi-las e sabia que havia encontrado a história do meu filme. É bem diferente de Os Filhos de Francisco, porque Luiz Gonzaga não queria que filho se tornasse músico, queria que ele fosse doutor, e essa briga foi o que os afastou durante quase uma vida. O que é igual é que de novo você ri, você se emociona, você se apaixona por eles, e com uma trilha sonora sensacional. Além da biografia de dois grandes músicos, o filme tem um drama familiar universal, que faz você entender inclusive o porquê de várias músicas terem sido compostas. Eu uso as músicas pra estruturar toda a história. Meu pai sempre me pergunta porque eu fico sempre batendo nessa tecla da relação pai-e-filho, até porque eu me dou muito bem com ele. Mas é que eu gosto mesmo dessa estrutura dramática, são relações importantes, universais. A história do Gonzaga é uma das mais fantásticas que eu já escutei. E como é ele que está contando ao filho, a gente volta ao passado. É um filme de época, um filme grande, caro, bonito e épico, que narra também parte da História do Brasil de 1927 a 1981. Não é um filme nordestino, porque Gonzaga era muito itinerante. Ele foi o primeiro pop-star a nível nacional que o Brasil teve. Por isso nós tivemos que filmar em muitos estados. Tudo no filme é ‘muito’, porque tudo na vida de Gonzaga foi ‘muito’ também. Foram muitos parceiros, muitas mulheres. Então, só de atores foram mais de cem. Há também muita passagem de cenas documentais pra cenas de ficção, o que exigiu uma produção muito caprichada e fiel. Mas é um filme pra todas as classes, pra todas as idades, e pra todas as regiões brasileiras. É cinema do bom, pra gente se divertir, sair com a alma lavada e entendendo um pouco melhor a nossa história.”
O filme tem duas horas de duração e custou 12 milhões de reais (orçamento faraônico para padrões brasileiros). Desmembrado em minissérie pra Rede Globo, já garantiu um público médio de 30 milhões de telespectadores, tornando-se um dos filmes nacionais mais vistos do Cinema Brasileiro. Obra e público se encontram. Bingo !!

O SOM AO REDOR – Pernambuco.

Uma primorosa edição de som e imagem cria um labirinto de situações, paranoicas e ameaçadoras. O filme começa com fotos em P&B de um canavial. Depois passa a uma rua de um bairro classe-média do Recife. Uma rua que tem vários personagens, todos vizinhos, vivendo dramas comuns, como o roubo de toca-fitas dos carros que dormem na rua, e dramas pessoais, como o de Bia, casada e mãe de um casal de adolescentes, que vive atormentada pelos latidos do cachorro da vizinha. Os personagens vão se multiplicando à medida que o filme avança, mas em nenhum momento o espectador os perde, muito pelo contrário, ele vai sendo envolvido numa teia de tipos e acontecimentos que se entrecruzam e o conduzem a diversos becos, sempre na mesma rua. Como num labirinto, apenas um desses becos o levará à saída. Cabe ao espectador acertar o beco. Ou não.

                                            Kleber Mendonça Filho dirige a última cena de O Som ao Redor

O filme ganhou Troféu Redentor de Melhor Filme e Melhor Roteiro no Festival do Rio. Ganhou os Kikitos de Melhor Diretor, Melhor Som e Melhor Filme pelo Júri da Crítica e Júri Popular em Gramado. Melhor Filme na Mostra Internacional de Cinema de SP (Prêmio Itamaraty) e Melhor Filme no Panorama Internacional Coisa de Cinema, em Salvador. Foi apresentado em sessão especial no Festival de Brasília. Recebeu Prêmio da Crítica internacional em Copenhague, Oslo e Rotterdam, tendo sido aplaudido no total em 14 festivais internacionais, entre os quais o de Locarno, Wroclaw, Viena, Sydney, Londres, Mar del Plata, Cannes ..
E com a palavra, Kleber Mendonça Filho: “O relativo sucesso que o cinema pernambucano tem tido em festivais .. são os filmes que tem gerado .. muita gente tem escrito sobre os filmes e tem chamado muita atenção. Eu acho que o sucesso reside no fato de que são filmes geralmente pequenos mas que têm resultados muito expressivos .. Eu decidi fazer um filme que fosse um pouco sobre isso e um pouco sobre a vida caótica e neurótica das cidades. Um pouco sobre Pernambuco, e é uma carga histórica que existe aqui de patrões e empregados e cana de açúcar .. e tudo isso bem longe dos engenhos, mas de alguma maneira essa história se reflete ainda nos tempos modernos .. E que pode ser visto também como uma expansão de outro filme que fiz, o ELETRODOMÉSTICA ..
“Eu me interesso pela união do cinema com o mundano, e veja que aí, às vezes, o cinema implica trazer o elemento fantástico que, para mim, é sinônimo de cinema. De qualquer forma, aliar-se ao mundano é essencial. O mundano absoluto, como as cozinhas das pessoas, as salas de estar ou áreas de serviço. O problema que eu vejo, e que me desagrada em boa parte dos filmes realistas, é que o mundano é tratado de maneira mundana. Não sobra muito interesse ..
“É bom poder usar a realidade como base e dar uns tapas bem dados, uma cusparada na cara aqui, um empurrão ali. Dependendo de como você enquadra aquela cozinha absolutamente normal, ela pode se transformar numa cozinha de cinema! De algo que você espera ver numa tela grande, ou pelo menos que eu gostaria de ver numa tela grande. A visão de cinema, para mim, não está tanto num set de estúdio feito sob medida para o filme (pode estar também, aliás), mas em como você transforma o mundano sob suas próprias especificações, no seu próprio cinema, no seu próprio set.”
O SOM AO REDOR estreou modestamente em circuito comercial no início de janeiro, mas vem a cada dia ampliando o leque de salas e fãs. Tenho certeza que ficará muito tempo em cartaz. Quando o vi pela primeira vez em Gramado, escrevi uma crítica pra lá de entusiasmada. Vejam no link: Com Todos os Tons e Sons ao Redor.


OS PENETRAS – Rio de Janeiro.

A comédia brasileira OS PENETRAS, ainda em cartaz nos cinemas, usou o Reveillon do Rio para contar a trajetória do provinciano Beto (Eduardo Sterblitch), que vem de Volta Redonda à procura de sua amada Laura. Ele pouco conhece da cidade maravilhosa e se torna presa fácil para o trambiqueiro Marco Pólo (Marcelo Adnet), que está de olho no quanto pode faturar ao ajudá-lo. Não demora muito para que se tornem amigos e entrem como penetras em badaladas festas de final de ano em pleno verão carioca. 

Eduardo Sterblitch, Andrucha Waddington e Marcelo Adnet

Com a palavra, o diretor Andrucha Waddington: “A gente fez questão de ser politicamente incorreto, mas não ser grosseiro. E não precisar ir pra pornochanchada, e sim pro humor, politicamente incorreto mas classudo, cinematográfico. Eu tenho grandes mestres de cinema de comédia: Billy Wilder, Mario Monicelli .. Foram filmes que a gente viu: Quinteto Irreverente, Meus Caros Amigos, O Apartamento, Quanto Mais Quente Melhor, Dois Velhos Rabugentos, Os Safados, Se Beber Não Case, Um Parto De Viagem .. São os filmes que peguei o Adnet e o Edu e falei ‘galera, isso aqui é o que a gente vai ter que fazer’. É a magia do cinema. Os caras são bandidos, são politicamente incorretos, mas você consegue torná-los adoráveis bandidos. E acho que a gente foi feliz nisso. Tinham dias em que ao invés de fazer leitura (do roteiro) a gente assistia a filmes. E ficava comentando, levava os filmes pra casa, aí voltava e conversava .. Isso foi fazendo a gente achar o tom. Então na hora de filmar foi muito bom, porque tava todo mundo muito alinhado.”
Produzido pela Conspiração Filmes, tem também no elenco Stepan Nercessian, Mariana Ximenes, Babu Santana, Miele, Luis Augusto, Suzana Vieira e Andréia Beltrão. OS PENETRAS foi visto por 2 milhões de pessoas nas salas do país no mês de dezembro, tornando-se o terceiro filme brasileiro mais visto de 2012, atrás apenas de Até Que A Sorte Nos Separe e E Aí, Comeu?.

XINGU – São Paulo.

O drama épico XINGU, produzido pela O2 Filmes e dirigido por Cao Hamburger (O Ano Em Que Meus Pais Saíram De Férias), conta a história da expedição pioneira que os irmãos Villas-Bôas fizeram pelos sertões brasileiros na década de 40. O filme mostra como Orlando (Felipe Camargo), Cláudio (João Miguel) e Leonardo (Caio Blat) tornaram-se os mais importantes indigenistas do país e como se deu a constituição do Parque Nacional do Xingu. Os irmãos vivem o dilema de criar um território demarcado e protegido para os índios, aliado ao esforço utópico de impedir a aculturação deles ao progresso trazido pelo branco ‘civilizado’. Ao final de 1h40m de projeção, fica evidente que é impossível se aproximar dos índios sem modificá-los e sem modificar-se.
A beleza plástica é o grande trunfo do filme e poderia até ofuscar a interpretação dos atores, o que felizmente não acontece. João Miguel, principalmente, brilha no papel do irmão do meio, o ‘herói’ desbravador e idealista da história. Mas os verdadeiros protagonistas da fita são as deslumbrantes paisagens do centro-oeste e a grandeza étnica dos índios brasileiros. Além da bela e eloquente fotografia de Adriano Goldman, com magníficas tomadas aéreas, o filme tem um roteiro envolvente e uma produção tecnicamente impecável. O resultado é um produto muito bem acabado e, o que é mais importante, bom demais de se ver.

                                                        João Miguel, Caio Blat, Cao Hamburger e Felipe Camargo

O diretor Cao Hamburger fala sobre o seu filme: “Um dos primeiros choques que tomei foi perceber o quanto somos ignorantes em relação à cultura dos povos indígenas no Brasil. Acreditei que tinha alguma informação, mas descobri que não tinha ideia da riqueza e da sofisticação dos indígenas brasileiros. A ignorância da sociedade em relação a eles também se traduz, até os dias de hoje, em preconceito e numa discriminação cruel, violenta e, muitas vezes, mortífera. Entendi então o porquê de o tema ser tabu não só no cinema brasileiro, mas também na televisão e na literatura. Temos apenas alguma coisa nos românticos, como Iracema e depois Macunaíma e Quarup. Então, transformei o filme num grande desafio de trazer à luz esse assunto tão fundamental para que o Brasil possa se entender e se encontrar no século 21. Ao mesmo tempo quis fazer algo capaz de entreter e chegar ao público de modo amigável. Ou seja, oferecer entretenimento com conteúdo.”
XINGU também foi adaptado para TV em formato de minissérie e levado ao ar na última semana do ano pela Rede Globo.
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Ainda merecem menção alguns longas de ficção de 2012 que ficaram de fora porque tive que escolher apenas 10, mas que certamente estariam entre os meus 20 melhores do ano: A Memória Que Me Contam (Lúcia Murat), Boa Sorte Meu Amor (Daniel Aragão), Chamada A Cobrar (Anna Muylaerte), Eles Voltam (Marcelo Lordelo), Entre Vales (Philippe Barcinski), Paraísos Artificiais (Marcos Prado), Super Nada (Rubens Rewald e Rossana Foglia), Uma História de Amor e Fúria (Luiz Bolognese) .. [Fica sempre aquela impressão inefável de ter cometido alguma injustiça, de ter esquecido alguém .. me avisem, se for o caso, para que o lapso seja futuramente reparado].

Também não posso deixar de mencionar alguns filmes nacionais que, apesar de apresentados em 2011 ou 2010, fizeram uma bela carreira nas salas brasileiras em 2012: Boca, Capitães Da Areia, Corações Sujos, Eu Receberia As Piores Notícias Dos Teus Lindos Lábios, Febre Do Rato, Heleno, Histórias Que Só Existem Quando Lembradas, Luz Nas Trevas, Meu País, O Carteiro, O Homem Que Não Dormia, O Palhaço e Sudoeste. Todos ótimos e obrigatórios.
Na minha opinião o Cinema Brasileiro teve uma excelente performance em 2012. Talvez não tenha tido tanto sucesso de público quanto merecia, mas apresentou produções de qualidade crescente e inquestionável. Não tenho dúvida que é apenas uma questão de tempo e de incentivo político para que nossos filmes estejam competindo em pé de igualdade nas salas país afora. Outro ponto que me chamou a atenção foi a descentralização, com o fortalecimento de importantes cinematografias fora do eixo Rio-São Paulo, com destaque para o Cinema de Pernambuco. O Cinema Paulista consolidou seu lugar de baluarte do que há de melhor na produção nacional contemporânea, em minha opinião.

Grande abraço a todos
.Dario PR


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