INTRODUÇÃO À MÚSICA DO SANGUE (2015/RJ/95’) – crítica por Dario PR


Cinema é alquimia e mistério. Às vezes, uma união de fatores pra lá de improváveis apresenta como resultado um produto magnífico, o que é sempre uma ótima surpresa. Noutras, a junção de elementos tidos como ideais pode resultar num insuspeitado fracasso, e aí a decepção torna-se inevitável. 

‘Introdução à Música do Sangue’ é baseado num argumento do escritor Lucio Cardoso (Crônica da Casa Assassinada), um mago da literatura de introspecção psicológica; tem no elenco feras do porte de Ney Latorraca e Bete Mendes (foto), na trilha musical o mestre David Tygell, e na direção e roteiro o veterano e premiado Luiz Carlos Larceda, o Bigode, que desde dos anos 60 põe sua assinatura em diversas obras que são referência no cinema nacional (‘República dos Assassinos’, ‘Como Era Gostoso Meu Francês’, ‘Leila Diniz’, ‘Viva Sapato!’, entre muitas outras). 

A expectativa sobre o filme então era grande. Infelizmente o que se viu na telona do Palácio dos Festivais ontem beirou o constrangimento. Na hora de se fundir as partes pra compor a ‘culinária cinematográfica’, algum ingrediente errado fez a receita desandar e o prato final resultou um fiasco. 

A precariedade da produção (Matinê Filmes) já chama atenção a partir da primeira cena e parece ter sido o fator primordial a comprometer o conjunto. A partir daí, uma sucessão de equívocos vão levando o espectador a um descrédito no filme, desmontando um princípio básico e essencial da dramaturgia: a suspensão da incredulidade (suspension of disbelief). Sim! Pode ser um extra-terrestre voando de bicicleta sob uma gigantesca lua cheia  .. Tudo bem, contanto que o espectador acredite que aquilo é plausível na “realidade” daquele filme.

No caso deste aqui, o espectador tenta porém, mesmo fazendo todas as concessões possíveis, não adentra no ambiente campesino proposto pela história: uma família disfuncional vivendo num sítio sem luz elétrica perdido no interior de Minas. Os personagens não conseguem se encaixar com verossimilhança naquele cenário, carregando consigo os atores, que também não se enquadram. A dupla protagonista experiente e tarimbada busca inutilmente manter a coerência das emoções. A trilha musical é bonita, executada ao piano, com vários temas de Tom Jobim, mas não combina com o universo da película. O roteiro também não ajuda e caminha aos trancos e barrancos para o abismo final. E a pós-produção (montagem/edição/finalização) que é onde muitos filmes de pré- e produção precárias conseguem dar uma virada estratégica, não logrou pular do bonde do desastre anunciado. Resultado: o longa piora a cada cena. Uma pena.

Fiquei de ontem pra hoje me questionando qual teria sido a falha primordial que engatilhou o erro deste filme. Ainda não encontrei a resposta, mas levantei algumas hipóteses. Tenho pensado que no Cinema, assim como na Arte em geral, os autores deveriam conhecer de perto o objeto de sua obra, talvez ter certa intimidade com o universo sobre o qual estão falando (no caso aqui a vida rural), talvez falar sobre a sua aldeia .. Esse é um trunfo que pode ser útil quando se lida com recursos limitados: criar a partir do que lhe é próprio.

Infelizmente isso não acontece em ‘Introdução à Música do Sangue’. No entanto, se você é um espectador atípico como eu, que consegue apreciar a magia do cinema mesmo nos filmes ditos “ruins”, não deixe de conferi-lo. A experiência do erro carrega em si a semente do grande acerto. Eu desde já estou bem curioso pelo próximo projeto do Bigode ..

Dario PR