O FIM E OS MEIOS (2014/RJ/105'), de Murilo Salles - crítica por Dario PR


Maquiavel em ‘Il Principe’ (1513) já defendia a premissa de que os governantes poderiam se colocar acima da ética e da moral vigentes para o intuito de realizar projetos e alcançar metas. Em 1645 o teólogo jesuíta Hermann Busenbaum escreveu pela primeira vez em seu manual de ética (Medulla theologiae moralis) a frase: “Cum finis est licitus, etiam media sunt licita” (Quando o fim é bom, também são os meios). Desde então a ideia de que os fins justificam os meios tem norteado a “ética” das relações entre dominadores e dominados.

A política mudou. Os políticos menos. A mídia já não perdoa os meios ilícitos, a opinião pública menos ainda, mas os poderosos sempre acham que podem ludibriar a opinião pública, comprar a mídia, ocultar os fatos .. Não por acaso – entra década e sai década – os escândalos de corrupção estão sempre na ordem do dia, e vez por outra adentram os filmes. É o caso deste ‘O Fim e os Meios’ (2014), de Murilo Salles, thriller político que vem embalado numa história de amor contemporânea, cheia de paixões e conflitos interiores, e recheada com fuga, perigo e morte.

Paulo e Cris são mais que um casal, são pólos imantados que se atraem e se repelem na mesma intensidade. Ela, jornalista, negra, linda, de origem humilde. Ele, publicitário, consegue emprego como gestor de imagem de um senador em campanha. O casal então se muda pra Brasília, dispostos a tentar resolver os impasses da relação. São personagens ávidos pela vida a ser vivida, com a disponibilidade que lhes confere a inocência e a ambição.

Em Brasília, estreitam a convivência com o inescrupuloso Hugo, genro e principal assessor do senador, inicialmente amigo do casal. Mas as pesquisas não favorecem o candidato, e Paulo se envolve em expedientes nada ortodoxos na reta final da campanha. Afetado diretamente por um escândalo midiático, ele acaba perdendo o controle de sua vida e sendo obrigado a “desaparecer”. Nesse ínterim, Hugo e Cris se apaixonam! A partir daí as emoções explodem, mudando radicalmente a vida dos três e desencadeando um jogo perigoso em que mídia e política convivem com os desejos e as fraquezas da relação homem e mulher.

Cintia Rosa e Pedro Brício defendem com unhas e dentes seus personagens, e conseguem passar a intensidade necessária para tornar críveis os protagonistas. Mas quem brilha numa atuação magistral é Marco Ricca (Hugo), construindo um antagonista envolvente e carnal, por quem é difícil não se sentir atraído. Há ainda boas atuações de Emiliano Queiroz (senador) e Hermila Guedes (filha do senador e mulher de Hugo). E uma participação pra lá de especial de Elisa Lucinda.

‘O Fim e os Meios’ não é um filme ‘fácil’ de se ver. Tem a clara intensão de incomodar, de se mostrar opressivo, testar a resistência do espectador. Há momentos em que o espectador põe em cheque a ética do autor. O roteiro, premiado, passou por exaustivos tratamentos. A narrativa é lenta, complexa, milimetricamente construída em elipses, flashbacks e flashforwards; começa pelo fim, depois sai a procura dos meios .. 

No momento atual do Cinema Brasileiro, fazer um filme ‘difícil’ é minimamente um ato de coragem. Nem todos os realizadores podem se dar esse luxo. Murilo é um que pode. Sua direção é minuciosa, quase obsessiva; abusando dos enquadramentos fixos, distanciados, onde apenas os personagens se movem. Em outros momentos busca referências no “cinema verdade”, tentando colocar o espectador no epicentro de um documentário jornalístico. A paleta de cores é sombria, quase sépia, quase cinza. E o mais desconcertante: o longa quase não tem música. Não respira nem nos deixa respirar. Mas apesar de incômodos, nenhum recurso de estilo está ali à-toa. Todos os “meios” são muito funcionais e eficientes no intuito de alcançar o “fim” desejado pelo diretor.

Um filme que merece ser visto com atenção redobrada .. Talvez nos fale que fins e meios são peças inseparáveis da mesma máquina. Se o fim é bom (ou mau), os meios também deveriam ser .. Ou não ?!



.Dario PR