O documentário é um gênero privilegiado ao desafiar o ideal
criativo dos cineastas. Como escapar da obviedade do trio: narração em off, depoimentos
e imagens de arquivo? O diretor Renato de Maria consegue sair-se bem ao contar
as façanhas de 6 mafiosos, traçando através deles um panorama intimista da
famigerada máfia napolitana, e ademais abrangente, ao expor as transformações sociais
que aconteceram na história da Itália ao longo do século XX.
Seis atores representam os protagonistas através de breves
monólogos em primeira pessoa, sempre olhando para a câmera, numa sala escura onde além
do ator o único elemento cênico é a luz, sutilmente desenhada em superposição
de sombras para realçar detalhes mínimos das expressões faciais. As falas são sempre curtas, pois de pronto os textos
são complementados por imagens de arquivo. Uma mais interessante que a outra,
a maioria extraída de filmes de ficção italianos dos anos 60/70 (grande sacada), algumas
de reportagens de época da RAI (TV estatal) ou de arquivos familiares em Super
8. Tudo mesclado numa montagem/edição ágil e delicada que constrói um painel íntimo,
atraindo a atenção do espectador com eficácia invisível.
As histórias vão se desenrolando desde quando eles eram jovens e sequer pensavam em se tornarem gangsters. Tenta-se dessa forma escrutinar as razões e condições que os levaram à criminalidade. Várias hipóteses são levantadas. Nenhuma 'verdade' é vaticinada. Os depoimentos são concebidos como uma confissão ou um interrogatório, não deixando que a narrativa se desatrele do percurso dos personagem. Os crimes (não usam esse nome) são contados por eles como atos de bravura, e descritos como expressões de um fenômeno
social maior, a guerra, e suas variantes: a luta pela sobrevivência, a guerrilha
urbana, a violência revolucionária .. Matar ou morrer são faces da mesma moeda
histórica .. "Brecht dizia que fundar um banco é um crime maior que
roubá-lo. Eu concordo" .. O crime organizado é revelado sem intensão de
fazer julgamentos de valor, simplesmente mostrado de um dos pontos de vista possível:
o de seus heróis; aqui, bandidos.
Temas recorrentes vão aparecendo: a luxúria e ostentação dos
primeiros tempos, a guerra contra os aparatos repressores do Estado, o
confinamento em esconderijos secretos, inúmeras batalhas com a polícia, muitos
tiros, perseguições, prisões, torturas, d e l a ç õ e s .. As verdades subjetivas são
mais importantes pra narrativa que a realidade histórica dos fatos. E aí o
uso das imagens ficcionais veste como uma luva.
Além da descrição das façanhas também entra em foco a vida pessoal, o culto à família, às amizades
e até seus relacionamentos sexuais e amorosos. Uma coisa muito palpável eles tem em comum:
suas armas, e a veneração por revólveres e metralhadoras, quase objetos de
fetiche. Numa frase sugestiva, contando dos tempos de rapaz, um deles diz:
"Quando eu saía pra passear de Cadillac com as garotas, depois de deixá-las
sentir o canário, eu as deixava sentir a pistola”.
Um filme de aura masculina (feito por homens, sobre outros homens) mas que ao unir
inteligência estética a uma temática de interesse universal, torna-se de
grande apelo não apenas para o espectador masculino italiano, mas para qualquer cidadão
do mundo, mais ou menos mafioso, mais ou menos homem ..
Dario PR
ps> visto na sala web durante o festival de veneza
2015