ITALIAN GANGSTERS (Doc/2015/Italia/87'), de Renato De Maria - por Dario PR

O documentário é um gênero privilegiado ao desafiar o ideal criativo dos cineastas. Como escapar da obviedade do trio: narração em off, depoimentos e imagens de arquivo? O diretor Renato de Maria consegue sair-se bem ao contar as façanhas de 6 mafiosos, traçando através deles um panorama intimista da famigerada máfia napolitana, e ademais abrangente, ao expor as transformações sociais que aconteceram na história da Itália ao longo do século XX.

Seis atores representam os protagonistas através de breves monólogos em primeira pessoa, sempre olhando para a câmera, numa sala escura onde além do ator o único elemento cênico é a luz, sutilmente desenhada em superposição de sombras para realçar detalhes mínimos das expressões faciais. As falas são sempre curtas, pois de pronto os textos são complementados por imagens de arquivo. Uma mais interessante que a outra, a maioria extraída de filmes de ficção italianos dos anos 60/70 (grande sacada), algumas de reportagens de época da RAI (TV estatal) ou de arquivos familiares em Super 8. Tudo mesclado numa montagem/edição ágil e delicada que constrói um painel íntimo, atraindo a atenção do espectador com eficácia invisível. 
  
As histórias vão se desenrolando desde quando eles eram jovens e sequer pensavam em se tornarem gangsters. Tenta-se dessa forma escrutinar as razões e condições que os levaram à criminalidade. Várias hipóteses são levantadas. Nenhuma 'verdade' é vaticinada. Os depoimentos são concebidos como uma confissão ou um interrogatório, não deixando que a narrativa se desatrele do percurso dos personagem. Os crimes (não usam esse nome) são contados por eles como atos de bravura, e descritos como expressões de um fenômeno social maior, a guerra, e suas variantes: a luta pela sobrevivência, a guerrilha urbana, a violência revolucionária .. Matar ou morrer são faces da mesma moeda histórica .. "Brecht dizia que fundar um banco é um crime maior que roubá-lo. Eu concordo" .. O crime organizado é revelado sem intensão de fazer julgamentos de valor, simplesmente mostrado de um dos pontos de vista possível: o de seus heróis; aqui, bandidos.

Temas recorrentes vão aparecendo: a luxúria e ostentação dos primeiros tempos, a guerra contra os aparatos repressores do Estado, o confinamento em esconderijos secretos, inúmeras batalhas com a polícia, muitos tiros, perseguições, prisões, torturas, d e l a ç õ e s .. As verdades subjetivas são mais importantes pra narrativa que a realidade histórica dos fatos. E aí o uso das imagens ficcionais veste como uma luva.

Além da descrição das façanhas também entra em foco a vida pessoal, o culto à família, às amizades e até seus relacionamentos sexuais e amorosos. Uma coisa muito palpável eles tem em comum: suas armas, e a veneração por revólveres e metralhadoras, quase objetos de fetiche. Numa frase sugestiva, contando dos tempos de rapaz, um deles diz: "Quando eu saía pra passear de Cadillac com as garotas, depois de deixá-las sentir o canário, eu as deixava sentir a pistola”.

Um filme de aura masculina (feito por homens, sobre outros homens) mas que ao unir inteligência estética a uma temática de interesse universal, torna-se de grande apelo não apenas para o espectador masculino italiano, mas para qualquer cidadão do mundo, mais ou menos mafioso, mais ou menos homem ..

Dario PR


ps> visto na sala web durante o festival de veneza 2015