"Dancem, dancem! Se não estaremos perdidos!" A
frase testamento de Pina Bausch além de um pedido é um aviso: o mundo
intolerante em que vivemos tem facetas nunca antes vistas. Baseado em fatos
reais da vida de Afshin Ghaffarian (Reece
Ritchie), com roteiro de Jon Croker, a ótima estreia de Richard Raymond na
direção de um longa, conta uma linda história de amor à arte e persistência.
Entretanto, além de ser em inglês (isto é banal no cinema),
faltam músicas, instrumentos musicais e danças persas, há um enaltecimento da
cultura ocidental com citações de Dirty Dancing a Michael Jackson um pouco
desnecessárias, outras essenciais como a dança de Nureyev que fisgam o menino Afshin e o espectador, e
a citação ao youtube causa risos. Globalização cultural, mas de mão única.
Depois da Revolução de 1979 foram proibidas várias
atividades no Irã e criada uma milícia paramilitar , Basij, para "cuidar
da ordem".
Os ultraconservadores dirão que a cultura de cada povo deve
ser respeitada. E concordando com eles, é bom lembrar que há mais de 2 mil anos
havia na Pérsia(Irã) o deus da Luz, Mitra, a quem eram sacrificados touros e os
homens dançavam em sua homenagem. Por coincidência o mestre Mehdi (Makram J.
Khoury) que tem um centro de artes, além de mostrar o vídeo de Nureyev, também
lê um poema de Rumi que fala em Luz!
As coreografias belíssimas de Akram Khan mereceriam melhores
enquadramentos. As mãos maravilhosas que saem de cena...
A amiga, amada e de certa forma "professora" de
Afshin, Elaheh (Freida Pinto), além de dizer a frase chave do que é a dança,
também é viciada em heroína - fartamente consumida no underground - que diz ser
para “alienar a juventude", prática comum nos regimes totalitários. E as
cenas de abstinência são coreografias da dor e sofrimento muito bem mostradas.
As manifestações políticas em favor de Mousavi, adversário
de Ahmadinejad, a onda Verde em 2007, é um alento de se ver, sobretudo no
Brasil atual, perigosamente sem confiança nos políticos.
A cena da tão sonhada apresentação no deserto é entremeada
com uma tensão clichê, mas nada de tão absurdo. Depois a peça de teatro “A
Tempestade”, do bardo Shakespeare, é uma cereja no bolo, uma coda em que o
real Afshin Ghaffarian surgirá, em seu exílio em 2009.
O deserto é ótima metáfora de regimes totalitários, e a arte
é fartamente comprovada como instrumento libertador. Dizem alguns que a dança
teria sido a primeira das artes da humanidade. E ainda existirá por muito tempo
se depender de jovens como esse dançarino do deserto.
Cristina Paraguassu