Em competição no Festival ‘É Tudo Verdade’ 2015, Orestes
parte da referência direta ao mito grego que é considerado o marco da justiça
contra a vingança. A transposição para o Brasil atual une as cicatrizes dos
crimes da ditadura com a violência cotidiana cometida pela ‘democracia’. O
Estado como um inimigo comum, em que o cidadão sofre com os abusos cometidos
pelos fascismos de ontem e hoje.
Rodrigo Siqueira, seu diretor, esquematiza seu filme como
uma tragédia em três atos. Inicia-se por um breve relato do drama particular de
uma filha inocente que sofreu pela traição de infiltrados na época ditatorial.
Essa vítima se reúne com outros sobreviventes da dor da violência em um
psicodrama que busca expurgar o sofrimento mais interior. Como catarse,
fechando o ciclo, há um julgamento encenado de um novo Orestes, filho parricida
que vinga o assassinato da mãe pelo pai.
Mas sabendo que a violência é marca registrada da
humanidade, sabemos que esse ciclo não é fechado. Saímos do filme incomodados
por tantas fraturas expostas de uma sociedade completamente adoecida. Siqueira
joga ficção na realidade, quando percebe que a realidade já está carregada
demais. E joga realidade na ficção, para afastar a ilusão que o sofrimento não
pode estar por perto.
Ao colocar uma militante raivosa das mães de classe média
que perderam seus filhos pela violência urbana num psicodrama que reúne de
maneira mais homogênea as vítimas do Estado (ditador antes, policialesco hoje),
Siqueira joga a faísca em conflitos que sempre se mostraram irreconciliáveis na
história do Brasil. O apoio às forças repressoras da sociedade e a busca de uma
justiça possível; o tratamento policial e jurídico desigual dado à certa elite
econômica e social e ao dispensado ao povo negro e pobre; a transição da
ditadura para a democracia.
Sabendo que o consenso sobre esses temas é impossível, o
filme se abstém de fazer o próprio julgamento dos relatos reais. A militante
vocifera a favor da pena de morte e do linchamento para logo depois um aviso na
porta indicar que ela é uma avó carinhosa. Sua voz, que é constantemente
reproduzida pelo pensamento comum nos bares e padarias que passamos, não
percebe que a criminalidade é estrutural e decorrente da desigualdade. Mesmo
sendo encenado, o julgamento final não mostra um resultado. Deixa entender. A
segurança pública necessita de uma nova justiça que ainda não chegou e que o
filme não tem condições de sugerir. Afinal, é de tragédia que estamos tratando.
Rudá Lemos