ORESTES ( 2015 / Documentário / Brasil / 93’) de Rodrigo Siqueira – por Rudá Lemos



Em competição no Festival ‘É Tudo Verdade’ 2015, Orestes parte da referência direta ao mito grego que é considerado o marco da justiça contra a vingança. A transposição para o Brasil atual une as cicatrizes dos crimes da ditadura com a violência cotidiana cometida pela ‘democracia’. O Estado como um inimigo comum, em que o cidadão sofre com os abusos cometidos pelos fascismos de ontem e hoje.

Rodrigo Siqueira, seu diretor, esquematiza seu filme como uma tragédia em três atos. Inicia-se por um breve relato do drama particular de uma filha inocente que sofreu pela traição de infiltrados na época ditatorial. Essa vítima se reúne com outros sobreviventes da dor da violência em um psicodrama que busca expurgar o sofrimento mais interior. Como catarse, fechando o ciclo, há um julgamento encenado de um novo Orestes, filho parricida que vinga o assassinato da mãe pelo pai.

Mas sabendo que a violência é marca registrada da humanidade, sabemos que esse ciclo não é fechado. Saímos do filme incomodados por tantas fraturas expostas de uma sociedade completamente adoecida. Siqueira joga ficção na realidade, quando percebe que a realidade já está carregada demais. E joga realidade na ficção, para afastar a ilusão que o sofrimento não pode estar por perto.

Ao colocar uma militante raivosa das mães de classe média que perderam seus filhos pela violência urbana num psicodrama que reúne de maneira mais homogênea as vítimas do Estado (ditador antes, policialesco hoje), Siqueira joga a faísca em conflitos que sempre se mostraram irreconciliáveis na história do Brasil. O apoio às forças repressoras da sociedade e a busca de uma justiça possível; o tratamento policial e jurídico desigual dado à certa elite econômica e social e ao dispensado ao povo negro e pobre; a transição da ditadura para a democracia.

Sabendo que o consenso sobre esses temas é impossível, o filme se abstém de fazer o próprio julgamento dos relatos reais. A militante vocifera a favor da pena de morte e do linchamento para logo depois um aviso na porta indicar que ela é uma avó carinhosa. Sua voz, que é constantemente reproduzida pelo pensamento comum nos bares e padarias que passamos, não percebe que a criminalidade é estrutural e decorrente da desigualdade. Mesmo sendo encenado, o julgamento final não mostra um resultado. Deixa entender. A segurança pública necessita de uma nova justiça que ainda não chegou e que o filme não tem condições de sugerir. Afinal, é de tragédia que estamos tratando.

Rudá Lemos