A direção, roteiro e câmera são da lenda-viva Ulrike
Ottinger. Uma fascinante viagem ao âmago da cultura japonesa. É documentário,
ficção, vídeo-arte, teatro Kabuki, ou nada disto, é cinema em todas as suas
possibilidades, sem preconceitos.
Tarkovsky em seu magistral livro "Esculpir o
Tempo" diz que o cinema é uma arte ainda em formação cuja matéria é o
tempo. E Ulrike Ottinger, apesar de ser alemã, esculpe os tempos do Japão com
talento ímpar.
Chegamos à aldeia de Echigo dentro de um trem, provavelmente
um shinkansen (trem-bala), de onde vemos a neve. Nesta região há neve quase o
ano todo. O dia-a-dia é mostrado delicadamente, a comida, banho, rituais,
brincadeiras infantis, limpeza da espessa camada de neve, sob a qual estão
todas as eras ancestrais do país.
Dois estudantes - Takeo e Mako - representados por dois performers
de Kabuki (Takamasa Fujima e Kiyotsugu Fujima), chegam à aldeia. Seguem os
passos de Bokushi Suzuki, autor do livro Contos do País da Neve (séc. XIX). Uma
raposa os desvia e eles se metamorfoseiam em um homem e uma mulher do período
Edo. Esse casal tem um filho que se torna um famoso ator. Depois, por inveja do
Imperador, ele é banido para a ilha de Sado, famosa por belos e tristes poemas,
inclusive o de Bashô: "rumo à ilha de Sado/ sobre o mar revolto/ a Via
Láctea”. O mar azul com suas ondas é contemplado por bastante tempo. Afinal, o
Japão é um arquipélago.
"Kabuki, poesia e realidade do País da Neve, embalados
pela música de Yumiko Tanaka, fazem deste um impressionante filme", diz
Ottinger. O respeito e amor que ela tem pela cultura oriental, que começou
quando era criança, é explícito numa cena de teatro Kabuki: toda ela em japonês
sem legendas nem narração. Somente depois a narradora Eva Matters nos traduz.
Dessa forma podemos apreender os detalhes da atuação e entonação das vozes sem
dispersar a atenção.
A cultura japonesa milenar carecia desta homenagem e todos
nós merecemos esta viagem cinematográfica. Verdadeira obra de arte.
Cristina Paraguassu