BOA SORTE ( 2014 / Drama / Brasil / 14a / 90’ ), de Carolina Jabor - por Dario P Regis.


Quando o amor atravessa o caminho da morte, ele pode até não impedi-la, mas ressignifica essa morte e, quiçá, aquela vida ..

Numa clínica psiquiátrica, o amor do adolescente-esquizoide João invade a morte da balzaquiana-radical-chic Judite, fazendo dessa morte um ato de redenção e coragem. HIV+ e usuária compulsiva de múltiplas drogas, a moça tem uma pulsão autodestrutiva que a leva certeira ao irremediável encontro com o nada. E ela tem pressa de chegar. Ele, um garoto virgem que cai na clínica por ter abusado do ansiolítico da mãe, ganha o bônus vital de descobrir o amor, e em seguida o ônus irreparável de perdê-lo. Por fim, lhe cabe a barra pesada que é continuar vivo, e seguir adiante. Só nos resta desejar-lhe “Boa Sorte” ..

Não por acaso este é o título do primeiro longa de ficção de Carolina Jabor, com roteiro de Jorge Furtado e do filho Pedro, baseado num conto de Jorge chamado “Frontal com Fanta”. Aliás, a combinação do comprimido tarja-preta com o refrigerante alaranjado é a receita mágica usada por João (depois também por Judite) para ficar “invisível”.. Julgando-se "invisíveis" eles aprontam poucas e boas, e acabam por nos ensinar algo mais profundo acerca do que seja a “(in)visibilidade”. 

Não é Cinema Argentino nem nada, mas está no roteiro o maior trunfo do filme. Com um arco dramático bem construído, diálogos sutis e tiradas filosóficas precisas, ele consegue o feito raro de inserir humor refinado em meio à grande tragédia da existência humana. A instituição psiquiátrica é eviscerada em suas idiossincrasias e violências mais prementes, tais como o sistema punitivo truculento, a corruptibilidade dos funcionários, a fragilidade dos ‘diagnósticos’ e os tratamentos equivocados. Ao mesmo tempo o roteiro coloca o ambiente manicomial como um palco de possíveis encontros, o que de fato é. A clínica em si podia ser uma personagem mais consistente na trama, e sua fauna de doentes mentais devia interagir melhor com o casal protagonista. Isso faz falta. Mas o que seria um defeito enorme num pequeno filme, termina por revelar-se um defeito minúsculo num grande filme.

O elenco nos surpreende. Fernandona chuta o balde em duas rápidas aparições fazendo a avó maconheira de Judite. Está melhor que nunca! Cássia Kis Magro e Enrique Diaz também garantem bons momentos como a médica dona-da-verdade e o enfermeiro trambiqueiro da clínica. No entanto o maior mérito é mesmo da dupla protagonista – Deborah Secco e João Pedro Zappa – pela intensidade da entrega que fazem ao filme e a seus personagens. Estão ambos impecáveis. Miss Secco, que também responde por uma co-produção, faz seu melhor trabalho até agora. Supera sua já excelente atuação em Bruna Surfistinha, colocando-se como uma estrela de cinema em franca ascensão. 

A direção elegante de Carolina Jabor consegue imprimir sua assinatura na tela, com tomadas inteligentes, enquadramentos precisos, bom aproveitamento dos espaços cenográficos e, principalmente, o uso criativo e eficiente de clichês da linguagem fílmica. Há diversos momentos antológicos, como a ótima cena de sexo na lavanderia, em que uma velha e manjada fórmula cinematográfica – a voz em off narrando o pensamento dos personagens – é usada de maneira bastante inusitada e pertinente. Um luxo !!

Por fim, a direção de arte de Cláudio Amaral Peixoto se revela funcional na simplicidade. O efeito de animação que nos desvenda o diário de Judite é mais um exemplo de clichê bem utilizado. A banda sonora e a trilha musical também compõem um painel de áudio que contribui para a dramaturgia e agrada os ouvidos, com destaque para a alegre “Talk To Me” da canadense Peaches e a ótima “O Vampiro”, de Jorge Mautner, na voz eternizante de Caetano Veloso. 

A dupla Conspiração/Globo Filmes, após vários descompassos, acerta o alvo ao apostar numa produção menos popular, com ares de cinema independente e foco no que realmente interessa: a qualidade. Carolina Jabor – que também assina a produção ao lado de Eliana Soárez – demonstra que tem algo mais que um DNA ilustre, e já desponta como uma cineasta promissora na árida seara que é o Cinema Brasileiro contemporâneo. Em “Boa Sorte” ela nos brinda com um produto singelo e despretensioso, porém afiado e antenado, como todo bom filme deve ser. Benvinda .. E Boa Sorte !!

Dario PR