FORÇA MAIOR ( 2014 /Drama /Suécia /120’ /Force Majeure ), de Ruben Östlund - por Dario P Regis.


Uma família sueca moderna, funcional, convencional e perfeita na foto: pai, mãe, filha e filho vão passar seis dias de férias esquiando numa magnífica estação de inverno dos Alpes Franceses. Pura felicidade !? Mas não. Logo no segundo dia, durante um almoço ao ar-livre em uma das sacadas do resort, eles vivenciam a ameaça aterrorizante de uma avalanche de neve. É o estopim para que venham à tona reações e emoções recalcadas, até mesmo inconscientes, que contradizem as convenções impostas pelos papéis sociais e de gênero, pondo em cheque a suposta ‘perfeição familiar’ que eles aparentavam.

“Force Majeure” não é um filme sobre catástrofes naturais. Faz da possibilidade de uma avalanche um gancho metafórico para falar de ‘catástrofes pessoais’, de ‘avalanches íntimas’, e das repercussões que elas promovem em nossa vida e nosso entorno. Põe em pauta a existência de certo ‘instinto básico’ que determina nossas atitudes, mesmo contrariando nossa vontade. E nos faz refletir profundamente ao levantar questões tais como: Que instinto traiçoeiro é esse que pode nos levar a condutas que vão depois nos envergonhar? Homens e mulheres reagem diferentemente quando tem que tomar decisões ou assumir atitudes em situação de risco? Quais são os pontos de vista possíveis sobre um mesmo fato vivido por diversos membros de uma família numa situação de perigo? Quanto deste fato pode ser reinterpretado, sob um diferente ponto de vista, para dar conta de uma identificação subjetiva ou de um desejo ou conceito pré-existente?

Há mais de um século, o velho Freud já nos falava do id, o ‘eu pulsional’, como uma ‘força maior’ da natureza humana, apesar de invisível, intangível e mesmo impensável. O id seria apenas deduzível. É numa reação rápida, instintiva, impensada, tomada numa fração de segundo, onde melhor se pode encontrar o rastro dessa instância que, de tão internalizada, já nem é mais reconhecida .. Seria o id capaz de emergir e intervir em nossos destinos, assim como as condições climáticas da natureza terrestre parecem intervir nos destinos do planeta? Com suas avalanches, vulcões, terremotos, dilúvios, tsunamis, furacões, aquecimento global, degelo glacial, big-bangs ..

O filme parece responder que SIM .. Que somos como um Turista (seu título original) que faz visitas à própria existência, mas de fato não a conhece .. Que lidamos o tempo todo – dentro e fora de nós (mas principalmente dentro) – com ‘forças maiores’, intenventoras. E que a melhor maneira de lidar com elas é usando a ‘inteligência dos afetos’ e a ‘união dos seres’. Esta é a reflexão que nos provoca a última cena do filme, quando o grupo de passageiros, juntos, toma uma decisão contrária ao motorista do ônibus. A união deles faz a força, e essa força, sim, é que pode fazer a diferença.

As súbitas atitudes individuais nada mais são que meras fórmulas ancestrais cristalizadas, e ninguém pode ser julgado ou condenado por elas. É desta forma – terapêutica – que o filme absolve a suposta “covardia” do pai diante da ameaça iminente da avalanche. Quem não tiver seus medos que atire a primeira pedra! Também na cena final, vemos a esposa tomar, diante de outro perigo, a mesma atitude que tanto criticou no marido o filme inteiro.

Nem vou hoje me estender sobre as qualidades técnicas do longa, mas duas palavras resumem todos os seus atributos: ‘Tecnicamente Impecável’. Sublinho apenas um pequeno achado cinematográfico que diz muito sobre o filme. Repetidamente ele se utiliza de estratégicas cenas sem diálogos, mas de forte comunicabilidade audiovisual, para sacudir o espectador, como quem diz: “pausa pra pensar” ou “agora conclua você mesmo”. Nesses momentos ele usa ironicamente sempre um mesmo trecho musical do ‘Concerto do Verão’ de Antonio Vivaldi. Um achado !!

“Força Maior” é uma experiência de imersão cinematográfica ímpar em dois universos paralelamente distintos que se complementam. Num mundo exterior, único, diferente, branco, gelado, numa estação de esqui nos picos das montanhas nevadas dos alpes .. E num mundo interior, muito íntimo, no mais recôndito da alma humana, no choro purificador, no grito libertário, no aconchego da família, no perdão que só o amor pode alcançar, e transmutar em superação e heroísmo.

Excelente. Um filme marcante como poucos, filosófico sem pedantismo, surpreendentemente transformador, que no mínimo contribui para ampliar nossa (i)limitada visão do mundo, e de nós mesmos. Recomendado com louvor. 

Dario PR