" Anda! Quero te dizer nenhum segredo. Falo nesse chão da nossa casa. Vem que tá na hora de arrumar "..
Wim Wenders é um cineasta muito preciso e não dá ponto sem nó. Acertou na mosca ao documentar a trupe musical cubana do Buena Vista Social Club em 1999. Marcou um golaço ao colocar em 3D a dança contemporânea de Pina Bauch em 2011. E agora estraçalha a boca do balão ao mesclar a vida, as ideias e a obra do fotógrafo Sebastião Salgado em O SAL DA TERRA (2014), documentário em que divide a direção com o brasileiro Juliano Ribeiro Salgado, filho de Sebastião.
.." Tempo! Quero viver mais duzentos anos. Quero não ferir meu semelhante. Nem por isso quero me ferir "..
O filme é de uma beleza reluzente e nos transporta a um outro tempo e espaço, um lugar-momento onde ainda se podia pensar o mundo em termos históricos e dialéticos. Afinal, a consciência política é o aspecto mais marcante do legado de Salgado. Um obra todavia que não fica presa ao click-denúncia, nem à estética da fome, nem ao panfletarismo da guerra. Ela perpassa todos esses estágios, descreve um arco e evolui para um momento pleno de maturidade artística e intelectual: a consciência (eco-ambiental) de que ainda é possível – sim! – salvar o planeta.
.." Vamos precisar de todo mundo, pra banir do mundo a opressão. Para construir a vida nova, vamos precisar de muito amor. A felicidade mora ao lado, e quem não é tolo pode ver. A paz na Terra, amor. O pé na terra. O sal da "..
O documentário é uma produção francesa em parceria com Itália e Brasil. É falado a maior parte do tempo em francês (Salgado) ou inglês (Wim e Juliano) com alguns poucos depoimentos em português (Salgado pai). O caráter cosmopolita dá o tom do filme e condiz perfeitamente com a trajetória universalista do fotógrafo. O longa transita fácil da Etiópia ao sertão nordestino, vai de Paris a Serra Pelada, daí pra Mali ou Ruanda, tudo num piscar de olhos. A história de antigos portfólios vai sendo recontada em imagens e depoimentos. Uma importante seleção de suas mais significativas fotos (todas em preto e branco) é mostrada na tela gigante, enquanto o próprio fotógrafo vai comentando os principais aspectos de cada flagrante. É um deleite. Qualquer admirador da arte fotográfica ficaria horas nessa brincadeira. E, se se limitasse a isso, o documentário já seria bom. Mas ele vai além.
.." Terra! És o mais bonito dos planetas. Estão te maltratando por dinheiro. Tu que és a nave, nossa irmã .. Canta! Leva tua vida em harmonia, e nos alimenta com teus frutos. Tu que és do homem, a maçã "..
Após quatro décadas fotografando a miséria, a fome, a guerra e a exploração do homem pelo homem, Salgado dá uma guinada em sua vida e começa dois novos empreendimentos. Acompanhamos seu trabalho atual no Projeto Gênesis, que busca retratar locais, paisagens e processos do planeta que não mudaram com o tempo. Ou seja, geografias que já eram assim antes do Homem começar sua aventura destruidora na face da Terra.
.." Vamos precisar de todo mundo. Um mais um é sempre mais que dois. Pra melhor juntar as nossas forças, é só repartir melhor o pão. Recriar o paraíso agora, para merecer quem vem depois "..
No entanto o projeto que mais emociona o espectador é outro. Acontece no interior do estado de Minas Gerais, nas terras da família Salgado. Mas não vamos contar aqui. Vejam o filme e se deixem emocionar também. Não podemos é deixar de aprender com esse exemplo, pois a experiência de Salgado serve direitinho para qualquer um de nós, os que temos a pretensão de construir um planeta melhor para as futuras gerações.
.." Deixa nascer o amor. Deixa fluir o amor. Deixa crescer o amor. Deixa viver o amor. O Sal da Terra ".
Dario PR
Entre aspas, os versos da canção O Sal da Terra, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos.
