O veteraníssimo ator/diretor
Clint Eastwood tem uma vasta carreira. Tanto numa quanto noutra função, passou
por gêneros diversos, e seu maior sucesso – ao menos em termos populares – foi
o implacável policial Harry Calahan, o ‘Dirty Harry’, autoexplicativo pelos
meios que usa para obter seus fins de limpar as ruas de malfeitores e
assassinos. Se antes já experimentara alguns tipos turrões, como Harry Calahan,
a coisa se acentuou. Talvez tal sucesso tenha colaborado para algumas linhas
que adotou adiante, nas duas funções, tendo sido agraciado pela academia com
seu primeiro Oscar em 1992 com o faroeste “Unforgiven/Imperdoáveis”.
Neste “American Sniper” seu
personagem central, como diz o título, exerce a terrível função de dar
cobertura a incursões militares de tropas de ponta, em missões arrojadíssimas. Cabe
a ele assegurar até onde puder a integridade e o sucesso das operações, e como
atirador de elite cerca possíveis alvos inimigos com acuidade. Alvos que, no
entanto, podem ser a princípio ingênuos, como uma criança ou uma mãe. Através
de sua experiência e das potentes miras telescópicas, ele pode suspeitar pela
posição das mãos se alguém está carregando sob as vestes um míssil-granada
letal para seus protegidos. Uma vez evidenciado esse perigo, caberá a ele então
ser implacável e fulminar essa criança ou mãe.
Como ninguém é de ferro, o sniper tem direito a respiros junto à
família, em sucessivos retornos ao lar. Sua esposa clama que ele abandone as
missões, sua folha de serviços como militar já é significativa. Mas “nosso
herói” não resiste à tentação de voltar a proteger e salvar companheiros nas
árduas manobras, e lá vai ele de novo fuzilar quem mereça (?).
Óbvio: a essa altura estamos
tratando de algo bastante grave. Para além da psicologia e afetos do sniper estão em jogo questões
humanitárias de amplitude. O tema da guerra, desafiador por excelência, não
comporta ambiguidades quando se vai abordar quem mata e quem morre. Podemos
discordar desta ou daquela visão que o artista proponha, mas esta visão precisa estar clara. E é exatamente
isso que falta ao filme: jamais sabemos o que Clint pensa da guerra em questão,
e como se isso não bastasse, o sofrimento do personagem soa distante, vago... Sequer
vemos o personagem praguejar, menos ainda se posicionar – a não ser ao decidir
pelos retornos à ação.
Roteiro e direção caminham
trôpegos, sem contornos, e resta apenas o habitual domínio técnico do
realizador. Sem pegada, a trama zanza dando voltas em si mesma e em suas
insuficiências. Restará ao espectador que aprecia filmes do gênero aderir a
esse herói (?) “sofredor”, à implacável máquina de guerra com seus sucedâneos e
vítimas domésticas a serem reverenciadas.
No elenco, o nominado ao Oscar
Bradley Cooper se empenha como pode, mas não tem como suprir o roteiro pouco
criativo. E a graciosa Sienna Miller fica quase como um fantoche, na marcação demasiado
convencional e também insuficiente de sua personagem.
O cinema tem um significativo
número de abordagens na linha. Nomes ilustres já visitaram as guerras desse
mundo ‘véio’. Acertando ou errando, não me lembro de nenhum realizador do eixo ‘roliúde’
dentre os que têm carreira sólida como Clint ter sido tão frouxo no tema. ”O
Franco Atirador”/Michael Cimino, “Apocalypse Now”/Francis F. Copolla, “Full
Metal Jacket”/Stanley Kubrick, “Além da Linha Vermelha”/Terrence Malick, “O
Resgate do Soldado Ryan”/Steven Spielberg... (dos citados aprecio os dois
primeiros)
Ao deixar seu filme assim tão
frouxamente alinhavado, Clint abre terreno para especulações nada abonadoras. Se
for possível alegar – como fez o diretor – que o filme é contra essa máquina de
matar quase indiscriminada que a guerra impõe, em nenhuma cena essa intenção ficou
clara para mim. Embora eu não aprecie o Spielberg citado há pouco, é claro o
louvor que faz ao pelotão que protagoniza o drama, e cabe apenas a cada
espectador fazer seu juízo crítico.
Arte é perversão? Uma amiga
psicanalista assim o crê – no bom sentido, friso. O artista se esparrama como
acha que deve e cabe a nós aturá-lo, ou não...
Marcos Florião