SNIPER AMERICANO / AMERICAN SNIPER (2014/ 132'/ drama de guerra/ 16a) de Clint Eastwood - por Marcos Florião.




O veteraníssimo ator/diretor Clint Eastwood tem uma vasta carreira. Tanto numa quanto noutra função, passou por gêneros diversos, e seu maior sucesso – ao menos em termos populares – foi o implacável policial Harry Calahan, o ‘Dirty Harry’, autoexplicativo pelos meios que usa para obter seus fins de limpar as ruas de malfeitores e assassinos. Se antes já experimentara alguns tipos turrões, como Harry Calahan, a coisa se acentuou. Talvez tal sucesso tenha colaborado para algumas linhas que adotou adiante, nas duas funções, tendo sido agraciado pela academia com seu primeiro Oscar em 1992 com o faroeste “Unforgiven/Imperdoáveis”. 

Neste “American Sniper” seu personagem central, como diz o título, exerce a terrível função de dar cobertura a incursões militares de tropas de ponta, em missões arrojadíssimas. Cabe a ele assegurar até onde puder a integridade e o sucesso das operações, e como atirador de elite cerca possíveis alvos inimigos com acuidade. Alvos que, no entanto, podem ser a princípio ingênuos, como uma criança ou uma mãe. Através de sua experiência e das potentes miras telescópicas, ele pode suspeitar pela posição das mãos se alguém está carregando sob as vestes um míssil-granada letal para seus protegidos. Uma vez evidenciado esse perigo, caberá a ele então ser implacável e fulminar essa criança ou mãe. 

Como ninguém é de ferro, o sniper tem direito a respiros junto à família, em sucessivos retornos ao lar. Sua esposa clama que ele abandone as missões, sua folha de serviços como militar já é significativa. Mas “nosso herói” não resiste à tentação de voltar a proteger e salvar companheiros nas árduas manobras, e lá vai ele de novo fuzilar quem mereça (?). 

Óbvio: a essa altura estamos tratando de algo bastante grave. Para além da psicologia e afetos do sniper estão em jogo questões humanitárias de amplitude. O tema da guerra, desafiador por excelência, não comporta ambiguidades quando se vai abordar quem mata e quem morre. Podemos discordar desta ou daquela visão que o artista proponha, mas esta visão precisa estar clara. E é exatamente isso que falta ao filme: jamais sabemos o que Clint pensa da guerra em questão, e como se isso não bastasse, o sofrimento do personagem soa distante, vago... Sequer vemos o personagem praguejar, menos ainda se posicionar – a não ser ao decidir pelos retornos à ação. 

Roteiro e direção caminham trôpegos, sem contornos, e resta apenas o habitual domínio técnico do realizador. Sem pegada, a trama zanza dando voltas em si mesma e em suas insuficiências. Restará ao espectador que aprecia filmes do gênero aderir a esse herói (?) “sofredor”, à implacável máquina de guerra com seus sucedâneos e vítimas domésticas a serem reverenciadas. 

No elenco, o nominado ao Oscar Bradley Cooper se empenha como pode, mas não tem como suprir o roteiro pouco criativo. E a graciosa Sienna Miller fica quase como um fantoche, na marcação demasiado convencional e também insuficiente de sua personagem. 

O cinema tem um significativo número de abordagens na linha. Nomes ilustres já visitaram as guerras desse mundo ‘véio’. Acertando ou errando, não me lembro de nenhum realizador do eixo ‘roliúde’ dentre os que têm carreira sólida como Clint ter sido tão frouxo no tema. ”O Franco Atirador”/Michael Cimino, “Apocalypse Now”/Francis F. Copolla, “Full Metal Jacket”/Stanley Kubrick, “Além da Linha Vermelha”/Terrence Malick, “O Resgate do Soldado Ryan”/Steven Spielberg... (dos citados aprecio os dois primeiros) 

Ao deixar seu filme assim tão frouxamente alinhavado, Clint abre terreno para especulações nada abonadoras. Se for possível alegar – como fez o diretor – que o filme é contra essa máquina de matar quase indiscriminada que a guerra impõe, em nenhuma cena essa intenção ficou clara para mim. Embora eu não aprecie o Spielberg citado há pouco, é claro o louvor que faz ao pelotão que protagoniza o drama, e cabe apenas a cada espectador fazer seu juízo crítico. 

Arte é perversão? Uma amiga psicanalista assim o crê – no bom sentido, friso. O artista se esparrama como acha que deve e cabe a nós aturá-lo, ou não... 


Marcos Florião