Quem afinal de contas calcula quantos dias já viveu na
Terra? E quem toma a decisão de não ser mais humano? Esquisitices? Não! Neste
filme maravilhoso, somos todos envolvidos na vida de Nick Cave, o
poeta, o homem, o drogado, o menino, o músico, o analisado que sabe o valor de tudo
que faz, mesmo cada insignificância da vida, porque o sentido e o mérito só
depois serão conhecidos.
Ele é o cantor de voz bela, canta rock, pop, pós-punk,
canção? Sim, só não diga que lembra Lionel Richie, ok? E é de forma poética que
o documentário/ficção embaralha os gêneros, sem se prender às velhas fórmulas.
A direção é de Iain Forsyth e Jane Polland, que já
trabalharam com Nick Cave em outros projetos. Aliás, Cave é íntimo do cinema. Todo
mundo lembra, entre outras, de sua participação no filme de Wim Wenders - Asas do Desejo - com a banda
Bad Seeds. Antes desta banda bem comportada houve a Birthday Party, em que
aconteciam bizarrices mil nos shows.
Tudo começa na tela em imagens de TV e a contagem dos dias...
Depois, uma manhã com ele acordando, a esposa Susie a seu lado... Depois ele escreve
em uma antiquíssima máquina de datilografia, com seus sons percussivos
inconfundíveis...
E tem sessão com o psicanalista que é nada mais nada menos que Darian Leader, o divulgador de Lacan no Reino Unido, aqui no Brasil
conhecido pelo livro "O que é Loucura?". Impossível melhor analista
para este cantor australiano, ex-católico, que também ajudou a escrever o
roteiro. O psicanalista atua/analisa muito bem. Atento, interfere com precisão
cirúrgica (cirurgia na alma, claro!) e encerra a sessão, como bom lacaniano, no
momento exato.
Aparecem vários amigos, sobretudo Warren Ellis, com quem
toma chá e se lembram da lendária Nina Simone, a incomparável pianista e
cantora. Kylie Minogue também marca presença e se gaba de haver mais estátuas
de cera dela que da Rainha - tsc, tsc! Certas piadas são meio inacessíveis para
estrangeiros, mas outras são ótimas, como quando ele fala de quando usava
drogas demais.
A atuação ou não-atuação dele é a chave para o ritmo do
filme. Há uma sinceridade no desempenho e uma canastrice em si mesmo talvez. O
estilo de superstar remete à realização do desejo infantil de "querer
estar na capa de um disco". Sua
"arrogância" o faz rir de si mesmo ao ler um testamento antigo que
ele havia feito.
De fato se quem assistir a este filme seguir o que ele diz
no final, o mundo já estará um tantinho melhor. E, sim, há músicas e shows, mas
nada excessivo, nem decepcionante para os fãs que, evidentemente, ficam querendo
mais.
A chuva, o cinza, os lugares fechados, contrastam com o brilho da vida dele, e imaginamos suas memórias sem a necessidade de flashbacks. Não à toa ele teme perder a memória. Porque afinal toda vida dele, nossa, de todo mundo, da terra, é tecida em memórias. E esses vinte mil dias em 97 minutos são boas recordações!
A chuva, o cinza, os lugares fechados, contrastam com o brilho da vida dele, e imaginamos suas memórias sem a necessidade de flashbacks. Não à toa ele teme perder a memória. Porque afinal toda vida dele, nossa, de todo mundo, da terra, é tecida em memórias. E esses vinte mil dias em 97 minutos são boas recordações!
Cristina Paraguassu