NICK CAVE: 20.000 DIAS NA TERRA ( 2014 / Reino Unido / Doc / 97’ ) por Cristina Paraguassu



Quem afinal de contas calcula quantos dias já viveu na Terra? E quem toma a decisão de não ser mais humano? Esquisitices? Não! Neste filme maravilhoso, somos todos envolvidos na vida de Nick Cave, o poeta, o homem, o drogado, o menino, o músico, o analisado que sabe o valor de tudo que faz, mesmo cada insignificância da vida, porque o sentido e o mérito só depois serão conhecidos.

Ele é o cantor de voz bela, canta rock, pop, pós-punk, canção? Sim, só não diga que lembra Lionel Richie, ok? E é de forma poética que o documentário/ficção embaralha os gêneros, sem se prender às velhas fórmulas.

A direção é de Iain Forsyth e Jane Polland, que já trabalharam com Nick Cave em outros projetos. Aliás, Cave é íntimo do cinema. Todo mundo lembra, entre outras, de sua participação no filme de Wim Wenders - Asas do Desejo - com a banda Bad Seeds. Antes desta banda bem comportada houve a Birthday Party, em que aconteciam bizarrices mil nos shows.

Tudo começa na tela em imagens de TV e a contagem dos dias... Depois, uma manhã com ele acordando, a esposa Susie a seu lado... Depois ele escreve em uma antiquíssima máquina de datilografia, com seus sons percussivos inconfundíveis...

E tem sessão com o psicanalista que é nada mais nada menos que Darian Leader, o divulgador de Lacan no Reino Unido, aqui no Brasil conhecido pelo livro "O que é Loucura?". Impossível melhor analista para este cantor australiano, ex-católico, que também ajudou a escrever o roteiro. O psicanalista atua/analisa muito bem. Atento, interfere com precisão cirúrgica (cirurgia na alma, claro!) e encerra a sessão, como bom lacaniano, no momento exato.

Aparecem vários amigos, sobretudo Warren Ellis, com quem toma chá e se lembram da lendária Nina Simone, a incomparável pianista e cantora. Kylie Minogue também marca presença e se gaba de haver mais estátuas de cera dela que da Rainha - tsc, tsc! Certas piadas são meio inacessíveis para estrangeiros, mas outras são ótimas, como quando ele fala de quando usava drogas demais.

A atuação ou não-atuação dele é a chave para o ritmo do filme. Há uma sinceridade no desempenho e uma canastrice em si mesmo talvez. O estilo de superstar remete à realização do desejo infantil de "querer estar na capa de um disco".  Sua "arrogância" o faz rir de si mesmo ao ler um testamento antigo que ele havia feito.

De fato se quem assistir a este filme seguir o que ele diz no final, o mundo já estará um tantinho melhor. E, sim, há músicas e shows, mas nada excessivo, nem decepcionante para os fãs que, evidentemente, ficam querendo mais. 

A chuva, o cinza, os lugares fechados, contrastam com o brilho da vida dele, e imaginamos suas memórias sem a necessidade de flashbacks. Não à toa ele teme perder a memória. Porque afinal toda vida dele, nossa, de todo mundo, da terra, é tecida em memórias. E esses vinte mil dias em 97 minutos são boas recordações!


Cristina Paraguassu