BIRDMAN OU (A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA) - Por Thiago Sardenberg


Foi com bastante otimismo que recebi a notícia de que o novo filme de Alejandro González Iñarritu seria uma comédia. Até então tudo o que o cineasta havia nos oferecido foram filmes que enxergavam o mundo contemporâneo apenas pela ótica do mal estar generalizado. Depois de despejar sem piedade todas as dores do mundo nas costas do protagonista de Biutiful, buscando de forma desesperada sensibilizar o espectador com seu retrato do mundo cão, nem que para isso fosse preciso apelar para a mais patética desgraceira, a comédia poderia ser um bom caminho para renovar um cinema já tão contaminado pelo fatalismo barato.

Esse é apenas um dos motivos que fazem de Birdman um filme tão frustrante. O que temos aqui é o mesmo Iñarritu de sempre, com sua incorrigível necessidade de se afirmar como “um artista que tem algo a dizer” e com seu apreço por muletas formalistas que clamam por atenção (as tramas paralelas nos seus filmes em parceria com o roteirista Guillhermo Arriaga, o plano-sequência agora).

Mas afinal, o que Iñarritu tem a dizer de tão relevante? Que vivemos num mundo insensível onde a produção cultural se reduz ao mero “enlatado” e a “verdadeira arte” não tem vez? Seria então “artista de verdade” aquele ser iluminado capaz de refletir sobre o estado de coisas sem se deixar vender ao “sistema”? “Refletir” nesse caso, nada mais é que entregar respostas prontas para todo o mal que aflige o mundo. Se a ignorância é o que impera, cabe a ele, artista iluminado detentor das respostas, nos despertar do vazio. Quanta pretensão, senhor Iñarritu!

A bola da vez para o diretor é evidenciar como a socidade do espetáculo é vazia e imediatista. E como não poderia deixar de ser, constrói seu discurso de forma irônica e auto-importante. Como é moderno esse Iñarritu! Sabe utilizar a figura do seu ator protagonista, Michael Keaton, de forma metalinguistica para ressaltar as “sacadas” satíricas do roteiro. E desta forma constrói sua “comédia de humor negro” míope, incapaz de enxergar que seus personagens (o artista em crise, o ator egocentrico, a crítica de arte ranzinza e inescrupulosa, etc)  são arquétipos tão ou mais rasos que aqueles presentes nos filmes de super-herói que tanto critica. Não se pode mesmo exigir humanidade de um filme tão ególatra.

Enquanto cineastas singulares como Pedro Almodóvar buscam constantemente quebrar as barreiras que separam a cultura de massa do erudito (ou ainda, como faz Tarantino, evidenciar a criatividade e o invencionismo presentes na cultura pop), Inãrritu com seu maniqueísmo arrogante está mais preocupado em levantar um muro que afaste o joio do trigo. Seu filme grita a todo instante que a “verdadeira arte” não pode se deixar contaminar por essa sociedade vazia que consome filmes repletos de explosões, viralisa vídeos apelativos no youtube e aplaude o grotesco. Ao tentar entender o mundo contemporâneo, enxerga apenas pão e circo. E é essa visão preconceituosa e reducionista que faz do seu pretenso “cinema moderno”, algo tão velho e antiquado.

Thiago Sardenberg