Imaginem um letreiro de teatro que acende de três em três letras, ou acende uma letra primeiro, depois mais duas ou meia dúzia, e assim vão surgindo os nomes dos artistas principais e o nome da peça...
Pensem
na função que tem a marcação de um tambor, bateria, ou mesmo um instrumento
qualquer com meia dúzia de acordes na apresentação de um espetáculo de circo, de
um jogo medieval ou de uma figura importante da antiga monarquia? No circo, por
exemplo, o rufar dos tambores antes do numero principal da noite. Nos jogos
medievais, em que os cavaleiros são apresentados pelas trombetas antes da luta,
ou quando um membro da corte triunfalmente adentra o salão de um palácio. No
ribombar da bateria no stand-up comedy
quando a piada é finalizada, ou não dá certo...
Agora
junte esses dois elementos – o letreiro e o som – para introduzir uma história,
apresentar um personagem, mais precisamente o de um ator decadente dentro de um
antigo teatro da Broadway. Dizer que foi uma grande abertura é pouco. O filme
começa e termina com os créditos nesse 'acender' de letras formando os nomes no
compasso da bateria. Bateria que acompanha o ator somente em seus momentos de
Riggan. Nos momentos em que ele pensa como o super-herói Birdman, uma outra música,
que percebemos ser da sua imaginação, toma conta da cena. Originalidade total!
Alguns poderão dizer que já viram esse filme. A história, claro. Em algum outro
filme, lógico. Mas cinema não é a história, mas a forma como ela contada. Iñárritu
sabe como contar uma história. Foi assim em Amores Perros, Babel, Biutiful... E
em Birdman essa historia começa muito bem.
O
enredo é o de um ator que quer se superar. Cansado de ser o ator de um
personagem só, ele tenta se reinventar montando uma peça na Broadway, uma
adaptação de um clássico. Mas no desenvolvimento, assim como no inicio, o filme
alcança um voo além do esperado. É criativo, é inventivo!
Este
filme coloca alguns ingredientes que todos os atores em algum momento já
vivenciaram, ou pelo menos já ouvimos tais histórias deles: o pesadelo de não
conseguir entrar em cena; o receio de ser ridicularizado; o conflito de egos num
mesmo espetáculo; o medo da reprovação da crítica...
A
isso se mistura uma inusitada incursão pela cabeça do ator Riggan Thomas, que
precisa de um “rufar de tambores”, um “ribombar de bateria” para marcar seus
passos e sua movimentação, tal qual um ator no tablado que precisa da marcação de
cena! E ele está tão colado ao Birdman –
seu eterno personagem – que não só tem a bateria na mente, como também a voz do
superherói que não quer descolar de seu encalço.
A
história então segue seu curso, uma viagem deliciosa, com momentos de fina
ironia, piadas certeiras que atingem em cheio à classe artística (os nomes são
citados sem perdão), e no final, bem no final, a tela é invadida por uma delicada
poesia – um carinho do diretor para afagar o personagem –, como quem afaga a
cabeça de um passarinho preso entre as mãos, e depois o liberta para voar.
Pode
ser que Birdman não agrade facilmente. Mas abrindo os sentidos – olhos e
coração – o espectador vai encontrar uma bela e profunda diversão. Vale cada
minuto de suas duas horas de duração.
Carmem
Cortez