BIRDMAN - OU A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA .. por Dario PR



Assisti a vários filmes nos últimas semanas, mas nada me impressionou tanto quanto o humor negro de BIRDMAN OU A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA (Birdman or The Unexpected Virtue of Ignorance), do mexicano Alejandro González Iñarritu. 


Riggan Thomas (Michael Keaton) há 20 anos foi um ator famoso por interpretar no cinema um super-herói chamado "Birdman" (Homem Pássaro). Agora, esquecido e decadente, ele tenta se reinventar como ator e diretor, encenando a remontagem de um drama clássico da Broadway chamado "Sobre O Que Falamos Quando Falamos De Amor / What We Talk About, When We Talk About Love". O que só ele – e nós – sabemos, é que Riggan é detentor de secretos superpoderes, além de ser acompanhado por um anjo-da-guarda super-herói. 

Mas nada parece dar certo. O ator principal é gravemente ferido num dos últimos ensaios, e um substituto precisa ser contratado na última hora. Entra em cena Mike (Edward Norton), um ator egocêntrico de difícil convívio, que se encaixa perfeitamente no script da peça. Isso é apenas o começo de uma série de personagens e situações inesquecíveis que vão invadindo a tela freneticamente, deixando o espectador a cada minuto mais vidrado e apaixonado pelo filme, e pelo ‘teatro’ dentro dele. 

A ação do longa se passa nas 48 horas que antecedem a estreia da peça, que parece caminhar para um desastre absoluto. Quase todas as cenas foram filmadas no interior e arredores do Teatro St. James – na 44th Street, Times Square, epicentro da Broadway – como se o filme inteiro fosse um imenso e único plano-sequência. De fato, a maioria das cenas são longos planos sequências de uma beleza e ferocidade como raramente se tem visto no cinema contemporâneo. 

Ao longo do filme todas as convenções de gênero vão sendo radicalmente transgredidas, sem que nenhuma explicação seja necessária. Melodrama, tragédia, aventura, comédia, mistério, ação, documentário, ficção científica .. estão todos lá, interseccionando-se maliciosamente. Mas o pulo do gato é o toque de ‘fantasia’, que desafia a credibilidade do espectador da primeira à última cena. O protagonista teria de fato os tais ‘superpoderes’, ou tudo não passa de uma projeção imagética de sua mente bêbada e doentia? O longa, claro, termina com a pergunta ecoando no ar .. 

O elenco está em estado de ufania, com destaque para Michael Keaton – melhor desempenho masculino do ano - e Edward Norton, que certamente vivem aqui o momento máximo de suas carreiras. Emma Stone e Naomi Watts também brilham absolutas em cena. A montagem/edição faz um trabalho de carpintaria hercúleo para esconder os cortes, tão inevitáveis quanto invisíveis. E a música, executada 'ao vivo' pelo baterista mexicano Antonio Sanchez, é mais um detalhe magnificente no conjunto de elementos espetaculares. 

A fotografia do também mexicano Emmanuel Lubezki é primorosa nos movimentos hiperbólicos, nos enquadramentos elípticos, e na iluminação hipnótica. A câmera – quase sempre em steadicam – persegue os personagens no labirinto vertiginoso que são as coxias do teatro, sem perder o foco, e consegue a proeza de se tornar o olho ávido e onipresente do espectador, dando-nos a misteriosa sensação de estar dentro da trama. 

Mas o maior mérito do longa deve-se a ousadia e maestria que é conceber, roteirizar, dirigir e produzir um filme dessa envergadura, onde a fantasia, a realidade, o realismo fantástico, o super-real e o surreal se mesclam no lugar preciso onde tudo isso deve convergir e ficar impresso: a retina do espectador. Só um diretor no ápice da maturidade – Iñarritu – para conseguir orquestrar uma obra que apenas um adjetivo pode resumir: G E N I A L !! 

Um filme obrigatório para todos os amantes do bom teatro e do bom cinema. 
Eu não vejo a hora de ver de novo ..

DarioPR