Robério
Braga é Secretário de Estado de Cultura do Governo do Amazonas, e Diretor Geral
do 9º Amazonas Film Festival. Entrevistei-o na manhã seguinte ao encerramento
do Festival, no lobby do Hotel Cesar Business, onde funcionou o QG do evento.
Foi uma conversa franca e informal, em meio às despedidas dos convidados que
partiam, e minutos antes do almoço de confraternização da equipe local.
Premiados, Jurados e Homenageados do 9º Amazonas Film Festival com o Secretário de Cultura e o Vice-Governador (foto: DarioPR) |
– Robério, desculpe chamá-lo
assim, mas é que até nesse momento de despedida você está aqui conosco, como
esteve nos oito dias de festival, sempre humilde e acessível, participando ativamente
na linha de frente da produção do evento. Felicito-te por isso. É raro se ver
um Secretário de Estado com uma postura tão aberta e participativa num Festival
de Cinema. O que este festival representa pra você e pra Secretaria de Cultura
do Amazonas?
– Este festival é uma construção coletiva.
Cada festival que nós realizamos, e cada
mês tem um festival diferente no Amazonas, é uma conquista, uma vitória.
Estamos recuperando um tempo perdido para abrir oportunidades às pessoas,
sobretudo aos mais jovens, pra que possam vislumbrar a possibilidade de uma
formação acadêmica, correta, para a realização do que desejam; e para os
demais, a possibilidade de usufruírem das manifestações artísticas e da presença
de figuras importantes de outros centros, que têm já uma carreira e uma
experiência muito maior que a nossa nessas atividades. Então é um momento
importante para a sociedade e para o governo. Temos uma equipe na Secretaria de
Cultura que funciona muito bem azeitada, muito bem integrada, da qual eu tenho
um grande orgulho, porque foi uma equipe construída paulatinamente durante 16
anos, e que funciona como uma orquestra. É evidente que, aqui e ali, como numa
orquestra, às vezes é preciso afinar o violino de novo, é preciso trocar um
líder de lugar... Mas as próprias ascensões dentro da equipe são feitas
exclusivamente dentro da equipe. Por exemplo, pessoas que tinham uma função
administrativa, hoje têm uma função de direção, ou pessoas que tinham uma
função de assessoramento, hoje tem uma função de consultoria especializada.
Cada um vai construindo seu espaço. Nós vamos procurando identificar e
estimular esses pendores. Todos necessariamente têm que estudar. Eu mesmo, para
dar o exemplo, fui fazer mestrado, e depois doutorado. Pra sinalizar que esse é
o único caminho para que tenhamos condições amplas para realizar qualquer
atividade profissional num mundo competitivo como é o de hoje. Pessoalmente eu
fico muito satisfeito com o resultado. É cansativo, é desgastante, dá um
nervoso às vezes, mas o friozinho na barriga é que faz com que a gente não
erre.
– Este não é então o único
festival. Há festivais quase todos os meses, entendi certo?
– Sim, há festivais quase todos os meses
de diferentes setores. Temos o Festival de Rock – o mais novo filho da casa – que
também acontece no teatro e no meio da rua como todos os outros eventos. O
Festival de Ópera, que já acontece há 16 anos e foi o primeiro deles. Foi ele
que abriu as portas para toda uma Política Pública de Cultura, utilizando a
memória coletiva da cidade que tinha no Teatro Amazonas um ícone para ópera
desde a belle époque amazonense. Temos ainda o Festival Folclórico, que
é um festival de manifestações populares, em Manaus e em vários municípios,
como os Bois-Bumbás de Parintins e a Ciranda, o Festival de Jazz, de Teatro, de
Dança, de Música Popular, de Cinema e o Concerto de Natal no dia 25 de
dezembro. Você pensa que agora nós vamos parar pra descansar ou passar um dia
sequer dormindo um pouco mais? Não. A produção do concerto de Natal começou
desde novembro do ano passado. Antes de realizarmos o de 2011, nós já estávamos
planejando o de 2012. E agora já estamos projetando o de 2013. Então a produção
emenda, com praticamente a mesma equipe. Mudam os líderes. Quem foi líder no
Festival de Cinema passa a auxiliar a liderança no Concerto de Natal, e assim
sucessivamente. Então é um conjunto de grandes atividades. Claro que nem todos
estão do mesmo porte, nem todos têm a mesma idade, nem o mesmo amadurecimento,
mas todos objetivam o mesmo fim, abrir oportunidades, preparar
profissionalmente a nossa população, gerar emprego e renda, promover
culturalmente o Estado. Fazer com que nos transformemos efetivamente num pólo
de cultura. E, sobretudo, mostrar às pessoas que nem só de pão vive o homem.
– Eu observei muito em todos os
dias do evento a presença maciça de jovens amazonenses frequentando e
acompanhando o Festival de Cinema, de forma bonita, alegre, participando e
interagindo. Acho que isso é um importante ganho...
– E estudando, porque todos os jovens do
projeto Jovem Cidadão, que são em torno de 50 mil, estudam artes. Eles não
estavam assistindo o festival unicamente como entretenimento ou como lazer, ou
para lotar a casa. Não era esse o papel. Eles estavam acompanhados dos seus
professores ou orientadores pedagógicos, observando tudo que acontecia, e eles
vão ter na segunda-feira um dia voltado à produção cinematográfica do
jovem cidadão. São 30 filmes, de manhã e à tarde, com vários artistas que vão
se ver, seus amigos e seus colegas vão acompanhar. Nós vamos instituir um
prêmio do Banco Daycoval para eles a partir desse ano, e estamos editando um
DVD, com 30 filmes selecionados entre os mais de 600 produzidos, que vai ser o
presente de Natal da Secretaria de Cultura para a população amazonense.
– Muito bom Secretário.
Parabéns. Agora vamos falar um pouco do Robério. Fica nítido pra gente que você
é um artista, que atrás do político há uma pessoa muito sensível. Soube que
você é escritor. Eu gostaria de saber como é que esse artista está sobrevivendo
em meio ao tumulto que é o trabalho político num cargo público.
– Olha, na verdade eu não sou um artista.
Eu nasci numa família modesta, minha mãe era professora primária e meu pai
marinheiro, jornalista e líder sindical. Eu sou o mais novo dos irmãos. Quando
nasci meu pai tinha 62 anos de idade. Portanto eu sou “fio de rama...” Mas
todos nós desde cedo sempre tivemos uma orientação muito forte em casa no
estudo tradicional, aquele que é necessário para a boa formação... História,
geografia, português, matemática... Mas também para a leitura, para a
declamação, para a redação e para a música. Todos os meus irmãos, a exceção do
mais velho e do mais novo que sou eu, todos tocam um ou dois ou três
instrumentos – piano, acordeom, violão, bandolim, violino –. Eu tenho um irmão
que é desembargador federal aposentado, pós-doutor em direito, que quando foi
fazer o doutorado em direito, fez também a graduação em música no Conservatório Nacional do Rio de Janeiro. A minha mãe quando fez 83
anos chegou pra nós e disse: "Tenho um sonho que não realizei: tocar piano". Nós
demos um piano pra ela, ela aprendeu e morreu aos 98 anos tocando piano.
– Interessante. Mas no teu caso
o pendor artístico não foi pra música, foi pra literatura, não é?
– Sim, foi pra literatura e pro teatro. Eu
fiz teatro quando jovem. Fiz um programa educacional, Aprendendo a Conhecer o
Teatro Amazonas. Havia aqui esse programa do Vovô Branco que foi muito
importante, tinha peças e improvisações, com os grandes artistas e diretores de
teatro da época. Eu fazia mais amizade com os pais e avós dos colegas do que
com os meninos da minha idade. Foram esses mais velhos que me trouxeram a
paixão pela literatura e pela pesquisa histórica. Eu coleciono livros desde os
12 anos de idade. Minha biblioteca é fundamentalmente História do Amazonas e
História do Brasil, Literatura Brasileira e Literatura Amazonense. Tenho em
torno de 30 mil volumes. Os livros moram, e eu ocupo um pequeno espaço...
– (Risos) Você escreveu um
livro sobre a vida e a obra de um importante político do Amazonas...
– Sim, Eduardo Ribeiro. Foi um nordestino,
maranhense, 1,60m de altura, negro e republicano. Foi três vezes governador do
Amazonas e mudou a paisagem urbana de Manaus nos idos de 1890. Transformou uma
aldeia numa capital com prédios, ruas, calçadas, iluminação pública,
arborização, saneamento, telefone, bondes elétricos. Manaus passou a ser
conhecida como a “Paris dos Trópicos”, e mesmo hoje, não tem todos os serviços
que ele conseguiu implantar naquela época. Ele foi um pioneiro no Brasil no
processo de urbanização das capitais, que só depois em 1906 foi acontecer no
Rio de Janeiro com o prefeito Pereira Passos. Tudo de mais importante
construído em Manaus, foi ele que fez. Fez o Teatro Amazonas, o Palácio da
Justiça, o Palácio do Governo. Prédios de alta qualidade onde só havia mato.
Era um visionário. Estava difícil passar linhas de bonde porque a cidade era
muito desnivelada. Pois ele nivelou a cidade através de aterros. Enfim,
construiu a Manaus que nós temos até hoje. E também reformou e modernizou o
ensino, a saúde e a arrecadação do estado. Trouxe educação da Suíça para
Manaus. Ele morreu supostamente de suicídio em 1900. Mas há várias versões de
que teria sido assassinado.
– Zelito Viana estava lendo
esse livro aí pelos corredores do Festival. Será que vai virar um longa da Mapa
Filmes?
– Quem sabe! Tomara que sim. Eu acho que é
uma grande história e daria um belo filme.
– E a literatura amazonense,
Secretário, a quantas anda?
– Muito bem. Nós temos um excelente programa
de edições. Já publicamos mais de 600 títulos. Fizemos a primeira Bienal do
Livro esse ano, que era uma área em que nós ainda não havíamos trabalhado com
tanta veemência. Participamos de várias bienais internacionais de peso. Tivemos
uma Escola do Escritor, onde os alunos aprendem as técnicas da boa escrita.
Temos um programa de bolsas de tradução para clássicos da literatura
amazonense. Por exemplo, o livro do Milton Hatoum, Dois Irmãos, foi traduzido
para o grego, porque uma editora grega se interessou pelo romance, o governo do
Estado financiou a tradução, eles publicaram e agora é vendido na Grécia. É
mais um grande autor amazonense circulando mundo afora. E recriamos os prêmios
do governo do Estado, que na verdade tinham existido há muitos anos atrás, em
pleno governo de Arthur Reis, em 1945, que foi um grande incentivador das
artes. Adquirimos bibliotecas de escritores famosos, como Mario Ypiranga,
Arthur Reis, Genesino Braga, Anibal Beça, etc. E sobretudo abrimos um grande
portal, onde essas bibliotecas estão indexadas e disponibilizadas virtualmente.
– Quais são as diretrizes da
cultura no que se refere à estrutura patrimonial?
– Todas as nossas instituições culturais –
o Instituto Histórico, a Academia de Letras, a Associação de Dança... Enfim,
todas as entidades de representação artística – têm sede própria patrocinada
pela Secretaria de Cultura. Têm endereço certo, têm um lugar pra reunir, têm
mobiliário, etc. A Academia de Letras foi restaurada. Temos um grande programa
de Patrimônio Histórico, um importante projeto de reabilitação do Centro
Histórico da cidade de Manaus, gradativo, nuclear, pra que a gente possa ir
fazendo e consolidando, e uma política nesse campo completamente diferente da
que é feita no resto do Brasil. Nós não modificamos o uso nem nos apropriamos
dos imóveis. Nós re-alinhamos o uso. Naquilo que está vago em determinada
região da cidade, nós colocamos uma biblioteca, uma galeria de arte, etc.
– A Secretaria pelo jeito atua
em praticamente todos os setores da cultura. O que vocês ainda não conseguiram
fazer?
– Então... Estamos trabalhando em todas as
frentes. Fizemos uma pré-bienal de artes esse ano, e próximo ano vamos fazer
uma grande Bienal de Artes. Só não estamos ainda investindo no Circo (risos),
mas para o ano quem sabe vamos trabalhar neste sentido com uma Escola de Circo.
– Meu Deus, não sei como é que
vocês vão arranjar tempo...
– ...Nem dinheiro! Mas, vamos dividindo o
pão...
– Robério, eu também sou um
apaixonado pela literatura, e por isso procurei saber sobre a Biblioteca
Pública. Aí me falaram que ela está fechada e eu gostaria que você me
esclarecesse o porquê, já que não souberam me informar.
– Então, a questão da Biblioteca é a
seguinte: As pessoas falam Biblioteca Pública como se ela fosse a única. Não é.
É a maior, é a primeira, a mais antiga, a mais tradicional, e a única que tem
esse nome de Biblioteca Pública do Amazonas. É um prédio de 112 anos que
precisava ser restaurado, e que tinha 60 mil exemplares lá dentro. Primeiro foi
preciso retirar esses 60 mil volumes de lá, redistribuí-los em bibliotecas
nucleares, pra eles não ficarem em desuso, e nem a população deixar de ter
acesso a eles enquanto restaurávamos o prédio. A obra de restauração não é
feita pela Secretaria de Cultura, é feita pela Secretaria de Obras. Nós
acompanhamos a parte técnica da restauração. Ela agora já está pronta,
mobiliada, com 350 mil volumes lá dentro.
– Então deve haver uma
inauguração em breve...
– Já podia ter havido. Já tínhamos marcado
a data, colocado a placa da inauguração e preparado o convite, quando um
temporal amazônico veio e destelhou a Biblioteca... Então a Secretaria de Obras
teve que fazer nova licitação e começar tudo de novo, mandar fabricar telhas,
pois não tinha mais as telhas de Marselha de 1900...
– Houve dano ao patrimônio?
– Não. Porque ela tinha a camada de telhas
de barro, depois a estrutura de mantas, e o socorro foi imediato... Enfim, o
problema foi mediado e a Biblioteca está apta a funcionar tão logo a Secretaria
de Obras me entregue. Agora, como o temporal aqui não é só água, é água,
relâmpago, trovão, alagação, vento... o sistema elétrico do elevador pifou, o
sistema elétrico de combate a incêndio pifou, teve que refazer, é um sistema
importado, não tinha o equipamento...
– Então a população está sem
biblioteca...
– Não. A biblioteca Arthur Reis está
funcionando normalmente, a Biblioteca Padre Agostinho funcionando normalmente,
Biblioteca Genesino Braga funcionando normalmente, Biblioteca Mario Ypiranga
funcionando normalmente, Biblioteca Emílio Vaz funcionando normalmente, as
bibliotecas das escolas funcionando, do centro de convivência funcionando, as
salas de leitura funcionando... Temos uma rede de bibliotecas públicas. Antes a
cidade só possuía uma, mas hoje temos 16 só em Manaus e bibliotecas no
interior. Apoiamos e ajudamos a selecionar títulos para todas as bibliotecas
escolares. Todos os colégios têm biblioteca, fruto de uma parceria entre as
Secretarias de Educação e de Cultura.
– Então, a informação que eu
tive foi um pouco truncada ?!..
– Se você quiser visitar a Biblioteca
Pública agora, você vai lá, vê e fotografa. Nossa Biblioteca esta com 100% de
acessibilidade para deficientes. Uma mestra amazonense, surda, está fazendo
doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina e nos trouxe os grafismos
da língua de sinais. Se uma pessoa não tiver braços e quiser ler um livro, ela
vai sentar na Biblioteca Pública e um equipamento vai folhear o livro pra ela.
Um cego vai poder falar com o computador. Se quiser escrever uma carta em
Braille, lá ele terá máquinas de escrever em Braille. Toda a sinalização é em
Braille. Tanto em grafismos de sinais quanto em letras de relevo. Terá também
serviço para registro de autoria de obra literária na Biblioteca Nacional, que
a partir de agora passa a ser feito em Manaus. Todo o piso da biblioteca tem
adesivos antiderrapantes e sinalizadores táteis. Todos os livros têm chip
anti-furto. E o que eram 60 mil volumes, viraram 350 mil. Agora me diga: quem
restaura um prédio antigo dizendo com certeza dia e hora que a obra vai acabar?
Ninguém. Você depende de cronograma físico e financeiro, chuva, sol,
equipamento, elevador... pois é um prédio antigo de três andares. Na verdade,
os comentários a respeito da Biblioteca têm inclusive o meu apoio. A campanha
Abre Biblioteca, eu também defendo. Mas eu não quero que abra de qualquer jeito
e não preste o serviço adequado. Ou que coloque em risco o patrimônio público.
Porque aquilo não é meu, eu sou só o guardião. A responsabilidade é minha, mas
eu não sou o proprietário daquilo.
– Será que não há uma falta de
informação ou de compreensão da população sobre o que está sendo feito?
– Sim. Há quem não consegue compreender,
até porque não tem as informações adequadas para avaliar o que está sendo feito. Mas
toda a obra da biblioteca, bem como tudo que nós fazemos, a nosso pedido, é
acompanhado pelo Ministério Público, que produz relatórios de acompanhamento.
Diante da grandiosidade do que está sendo feito, nós não poderíamos ter
unanimidade. E mais, eu respeito a opinião contrária, ou a ação política
contrária ao trabalho que eu possa estar desempenhando neste ou naquele cargo,
porque eu lutei pela democracia.
– Concordo. Acho que é preciso
aprender a trabalhar com a oposição.
– Sim. Toda unanimidade é burra. Eu não
tenho a pretensão de ter unanimidade. Eu tenho a pretensão é de não ser omisso
diante dos problemas. Essa compreensão eu tenho. Eu admiro a crítica sensata,
serena, responsável, construtiva. Mas, mesmo que a crítica venha destrutiva, eu
a respeito.
– A crítica mexe contigo? Dói?
– Mexe. Remói. O Secretário é humano. Dói
no coração, sim. No entanto, estimula a mim e a minha equipe a fazer mais,
porque fica demonstrado que mais pessoas precisam ser alcançadas pelo trabalho
sério, pela dedicação, pela responsabilidade, pelo entusiasmo e pelo idealismo,
para compreenderem que este não é um projeto de governo ou de pessoas, é um
projeto de Estado. É feito pra ficar, pra perpassar governos. Eu não quero ser
o Rei Momo que fez, primeiro e único... “Quando Robério era Secretário
tinha...” Não. Até porque o Robério não está fazendo nada. Eu estou é
estimulando as pessoas, revelando talentos, ajudando a despertar
sensibilidades.
– O Festival de Cinema, por
exemplo, é uma instituição já firmada a ponto de continuar mesmo com você
saindo da Secretaria?
– Acho que ainda não. E não é “eu saindo”,
é essa filosofia mudando. Porque independe de pessoas. Evidente que eu saindo,
a filosofia mudando, e as coisas sendo destruídas, eu vou brigar, e com
autoridade...
– Vai ser você a oposição.
– Sim. Vou ser eu a oposição que vai estar
ali, claro. Seriamente. Procurando compreender as razões, porque não é fácil
administrar e ter recursos orçamentários. Não se conquista recursos sem
realizações, sem resultados positivos, sem sensibilização dos políticos.
– É verdade que a classe
política no Amazonas não faz?
– Faz! Se você conseguir mostrar pra ela a
relevância daquilo para o interesse coletivo, ela faz. Uns vão fazer mais,
outros vão fazer menos, cada um vai ter a sua ótica de ataque. Um governador é
mais humanista e mais filosófico, outro já é mais pragmático, outro já quer
mais atividades interioranas, outro quer objetivos mais imediatos, outro sabe
que tem que esperar um pouco mais...
– Eu li algumas críticas em
relação ao Amazonas Film Festival, por exemplo, que pra mim não foram
pertinentes, mas eu senti nessas críticas uma falta de informação das pessoas
sobre a importância para o Amazonas de ter um Festival de Cinema, um festival
reconhecido a nível nacional e internacional. Quem já faz festivais há muitos
anos sabe dessa importância, como Gramado, por exemplo, que hoje é o que é a
partir de um festival que já acontece há 40 anos. Gramado não era nada e tornou-se
um pólo de referência cultural e turístico...
– Para a população, para a cidade, para o
Rio Grande do Sul e para o Brasil.
– Pois é. E o Festival
reverberou não só na cultura, mas se tornou uma mola propulsora para economia
daquela região como um todo.
– O Festival não é o Festival pelo
Festival. No Amazonas nenhum festival é feito pela festa exclusivamente. A
festa que o festival promove é a oportunidade de congraçamento, de encontro.
Mas todos eles têm atividades gratuitas, para universalizar a informação
cultural, formação acadêmica obrigatória (debates, seminários, palestras.
oficinas), interiorização... Você imagina o que é um Festival de Cinema chegar
em São Gabriel da Cachoeira, há duas horas e meia de vôo, várias horas de
navegação...
– Quando eu soube, fiquei muito
impressionado com essa ação.
– E isso é comum. Vai o Jazz, vai a Ópera.
Todos os nossos festivais têm eventos na rua. Esse não teve porque estávamos
numa situação climática desfavorável. Acabou ficando boa, mas não estava. Houve
temporal pesado. Então tivemos que tirar em cima da hora toda a programação de
cinema na rua. Mas isso é rotina na cidade. Cinema, Teatro e Música nas praças.
Nós tivemos um programa chamado Arte Por Toda Parte, que é isso, por onde você
passa, acontecem coisas...
– Mas voltando ao Festival...
– Voltando. Qual é a outra função do
festival?
– Qual, Secretário?
– É criar uma mola propulsora e
impulsionadora da atividade. Há várias décadas nós não tínhamos um
longa-metragem produzido no Amazonas. Será que ninguém pensava em fazer? Claro
que pensava. Será que não tinha ninguém com competência pra fazer? Não sei se
já tinha antes, mas certamente aprimorou essa competência ao longo dos
Festivais de Cinema, em razão dos encontros, dos debates, do estímulo, do
interesse nesse e em outros festivais, do convívio com pessoas que puderam
efetivamente contribuir. O Festival de Cinema abre inclusive oportunidade para
outras áreas artísticas. Tem um produtor de teatro aqui do Amazonas, Luiz
Vitalli, que está segurando o ator Igor Cotrim aqui em Manaus para trabalhar na
produção de uma peça, e já convidou outro artista para no próximo ano vir
trabalhar noutra produção com ele. Como ele teria acesso a essas pessoas se
elas não viessem aqui? Como essas pessoas saberiam da elaboração do teatro
dele, se não viessem ver? Quando nós começamos com a Ópera, a desconfiança era
total. “Ópera? Eu não gosto de Ópera”. Por que tu não gostas de Ópera?
Nunca viu? Então vamos ver pra saber se gosta. E o Festival de Ópera passou a
colocar milhares de pessoas na praça... no meio da praça para ver Tristão e
Isolda...
– Zelito Viana me disse que
viria fazer um Villa-Lobos aqui.
– Ele quer fazer Magdalena. Já fizemos. O
cantor David Assayag do Caprichoso cantou Magdalena. O que não quer dizer que
ele não possa refazer, uma outra versão, uma outra leitura. Yerma também já foi
feita.
– Eu sugeri a ele o Uirapuru.
– Ótimo. Fazemos. E o que é que a
Ópera nos deixou? Você conheceu o nosso acervo?
– Não.
– 45 mil figurinos e 27 óperas
inteiramente montadas. O Ministério da Cultura ainda não teve a ousadia de
fazer – pode ser que a Martha faça, porque tem experiência, sensibilidade e
erudição – a circulação de nossas óperas pelo Brasil. Nós oferecemos 27 óperas
para circular pelo Brasil, com cenário, figurino, armaria, sapataria,
pelucaria, orquestra, coro, maestro, tudo... Me dá um avião e me dá um teatro.
Ela vai. É doido, mas é o que eu estou te dizendo. São 18 mil m² de área. Tudo
o que foi feito até hoje desde o terceiro Festival de Ópera, está lá.
– Robério: uma coisa que eu
achei desafiadora aqui no Amazonas é o que você chamou de INTERIORIZAÇÃO. Como
se trabalhar num estado que tem proporções continentais?
– Temos hum milhão e meio de km². O
trabalho de interiorização é lento, gradativo, e ainda não deu os resultados
que nós esperamos.
– Talvez seja o maior desafio a
ser atingido...
– É o maior desafio. Ao contrário do
Estado, que criou uma estrutura própria pra gestão da política cultural, os
municípios do interior não têm. As dificuldades financeiras e orçamentárias de
um município do interior mal permitem que eles façam o atendimento das
necessidades essenciais, pra eles, porque pra mim a Cultura é essencial...
– Pra mim também!
– Se fosse Secretário de Educação eu
mudava, seria primeiro a Cultura e depois a Instrução.
– Pensamento polêmico, hein,
Secretário?...
– É! Eu mudava isso agora. Eu começava por
aí. Esse é um dado real na minha cabeça. Mas, voltando, eles não têm uma
estrutura operacional.
– Eles não têm uma Secretaria
Municipal de Cultura, é isso?
– Isso. Não têm. Nem Departamento, nem
legislação, e tem muita dificuldade. Essa gestão no interior é mais complexa. É
preciso muita sensibilização. Ela felizmente vai mudar, e muito mais rapidamente
do que mudaria, porque hoje nós temos a Universidade do Estado do Amazonas
implantada em todos os municípios. E nós vamos iniciar o programa de educação à
distância através do nosso Liceu de Artes e Ofícios Cláudio Santoro, que tem
esse nome em homenagem ao grande maestro brasileiro que é amazonense.
– Seria uma parceria da
Secretaria de Cultura com a Universidade?
– Sim, com a Universidade do Estado do
Amazonas. Eu fui um dos três responsáveis pela implantação dela. Fui inclusive
Sub-Reitor e Diretor da Escola de Artes e Turismo, que foi implantada com a
mesma filosofia da Secretaria de Cultura, de modo que uma criança entra com
quatro anos no Cláudio Santoro e sai para ingressar numa Universidade, ou
ingressar num concurso público. Essa é outra das nossas diferenças: quem é
músico em nossa orquestra, ou é cantor em nosso coral, não está ali porque é
amigo do Secretário. É porque passou num concurso. E mais: todo ano tem que
fazer outro concurso pra renovar o contrato pro ano seguinte. E essa aplicação é
comum em nossa política. Tudo é através de edital. Há edital de bolsa de
pesquisa, edital de bolsa de estudo, edital de bolsa pra Cuba, edital de
produção pra cinema, de produção pra teatro... Não há favorecimento pessoal,
nem grupinho.
– Robério, eu tive a
oportunidade de conversar com o pessoal de Parintins que veio pro Festival. E
eles me falaram que, infelizmente, lá eles não têm sala de cinema onde exibir seus
filmes. Soube que isso acontece em todo o estado. Enfim, essa questão das salas
de exibição no Amazonas foi outro ponto de fragilidade que eu acho que
detectei. Será que detectei errado?
– Em Manaus você detectou errado. No
estado é verdadeiro. Nenhum município do interior tinha cinema antes do
Festival. Teve muito tempo atrás, e deixou de ter. Exatamente porque a
dificuldade econômica dos municípios fez com que fechassem. A máquina quebrou,
não tinha equipamento, não tinha distribuição, a quantidade de freqüentadores
não justificava...
– E o que pode ser feito pra
mudar isso?
– No município de Itacoatiara, um pequeno
empresário restabeleceu o cinema que era da família dele. Nós estamos
procurando firmar um contrato com ele e
transformar a sala em cine-teatro, para dar uma dinâmica maior ao espaço e
fomentar a ação. Em Parintins, apoiamos um deputado que é vinculado ao
Boi-Bumbá, e que propôs a revitalização de um cinema chamado Cine Oriental, que
existiu e foi deteriorado. Nós já desenvolvemos o projeto e vamos restaurar o
imóvel, e assim restabelecer o cinema em Parintins.
– Há uma previsão de quando
essas salas estarão disponíveis à população?
– O de Itacoatiara já está funcionando. O
de Parintins eu acredito que dentro de mais um ano. Ou seja, no próximo
Festival talvez ele já esteja funcionando.
– E a rede exibidora de Manaus?
– Cresceu substancialmente. Os grandes
grupos de salas estão aqui. Cinemark, Severiano Ribeiro, Cinemais, PlayArt...
Mas todos com esse novo conceito de salas de cinema de shopping.
– No Rio a sala sede do
festival é o Cine Odeon, em Fortaleza é o Cine São Luiz... Aqui a sala sede é o
Teatro Amazonas. Havia em Manaus um cinema tradicional?
– Havia sim. Mas o Teatro Amazonas foi o
primeiro cinema de Manaus. O cinema no Amazonas começou no teatro. Manaus teve
cinemas tradicionais sim: Odeon, Politeama, Guarani... Estamos trabalhando na
apropriação de um cinema antigo – Cine Éden – que ficava no Centro Histórico da
cidade e tinha capacidade de 1.500 espectadores. Há um empresário que pode
negociar com o governo o pagamento de uma dívida. Ele pode dar o imóvel e nós
vamos reconstruir o cinema. Mas nós temos o cine-teatro Guarani que é a sala
alternativa para o cinema de arte, mantido pela Secretaria de Cultura... E
fazemos Cinema na Rua... E todo domingo... Cinema Mudo... Cinema Brasileiro...
– (Risos)...
– E temos salas de cineclube nos município
mais pobres e mais distantes do Estado.
– Me impressionou a qualidade
dos filmes selecionados pelo Festival do Amazonas e a quantidade de pessoas
boas, interessadas e apaixonadas por cinema no Amazonas...
– Sim, melhorou muito. A quantidade de
cinéfilos tem aumentado. Temos até um curso de Pós-Graduação privado em Cinema,
que começou estimulado pelo Festival.
– Soube que vai abrir um curso
novo de formação técnica em cinema...
– Na Universidade Pública. O vestibular é
agora. Destacamos orçamento na Secretaria de Cultura para ajudar a
Universidade, para ela ter condições de fazer. Como também a Secretaria cede um
teatro para ser o teatro-oficina do Curso de Teatro da Universidade...
( Silêncio... )
– É muita paixão pela cultura,
não é, Robério? Ou é missão?
– Talvez. É missão, é paixão, é loucura.
Mas eu acho que eu tenho mesmo é responsabilidade e procuro exercer o
cargo com entusiasmo.
– Compromisso político?
– Não. Compromisso social. Não tenho
filiação partidária. Já fui político. Interrompi minha carreira política que
era extremamente promissora. Fui relator da Lei Orgânica. Fui vereador duas
vezes, em 1991. Fui candidato a deputado praticamente eleito... Interrompi tudo
pra fazer a Política Cultural. Foi um desafio. Eu havia apresentado esse
Projeto Cultural pro Governador em 1994. Infelizmente ele não pode realizar
naquela ocasião, e em 1995 eu virei Secretário de Comunicação Social pra ajudar
a resolver um problema político da época. Depois o Chefe da Casa Civil adoeceu
gravemente e eu, que fora sempre uma pessoa próxima, de muita confiança dele e
da família, virei Chefe da Casa Civil. E o meu projeto cultural estava lá, no
bolso dele, guardado, e eu, esperando a hora. Até que um dia, depois do
Centenário do Teatro Amazonas, aconteceu. Ele fez uma pesquisa de opinião
pública sobre o governo e o ponto negativo era a
cultura. Aí ele virou pra mim e disse: cadê o teu projeto? Está na hora, vamos
fazer! No dia 20 de janeiro de 1997 eu assumi como Secretário, criando a Secretaria,
que não existia. Num prédio velho, caindo aos pedaços, depois do centenário do
Teatro Amazonas, que teve apenas um
grande espetáculo durante todo o ano. Isso depois de ter visto o palco
do Teatro Amazonas ser usado como campo de futebol. Depois de ver que a
população de rua, que precisa de atenção e cuidado do governo, estava se
aglomerando nas imediações do Teatro Amazonas e inviabilizando o teatro.
– Qual foi a primeira
empreitada da nova Secretaria?
– O Festival de Ópera, que fizemos em
abril daquele mesmo ano, sem ter um violino, um figurino, um solista, e a
equipe do teatro nunca tinha assistido a uma ópera. O governador me chamou de
doido. Eu acreditei que era.
– Mas o Festival de Ópera
começou pequeno e foi crescendo devagar...
– Mas já teve espetáculo na rua e já com
ingresso baratíssimo, e espetáculos gratuitos.
– Eu andei lendo sobre a
história do Festival de Cinema e entendi um pouco sobre esse processo de
crescimento. As primeiras edições não tinham premiação, a quantidade de filmes
era infinitamente menor... começou humilde e foi crescendo aos poucos...
– Mas já começou audacioso, através de um
contrato com uma empresa francesa que realizava Marrakesh, Dogville e Cannes.
Foi quem fez toda a consultoria para nós, a LPS.
– Então já era ambicioso?
– Já era metido a besta.
– E essa vocação internacional
que ele tem hoje?
– Nasceu no primeiro momento, quando
contratamos a LPS. Foram eles que traçaram o formato do festival e o realizaram
conosco durante 5 anos. Quando acabou o contrato, dissemos: agora vamos ter que
seguir sozinhos. E nós estamos fazendo até hoje...
– Parabéns, Secretário. Vocês
estão conseguindo fazê-lo brilhantemente.
– Obrigado. Não sei se brilhantemente, mas
estamos fazendo...
– O Festival de Cinema do
Amazonas foi lindo, muito bem organizado, caprichoso...
– E garantido! Se tiver só caprichoso vai
dar problema...
– (Gargalhadas)...
... ... ...
Ao final da entrevista, partimos, eu e
duas amigas jornalistas, para uma visita à Biblioteca Pública do Amazonas. Lá
fomos recebidos pelo Diretor Sharles Silva da Costa. De fato a Biblioteca está
praticamente pronta, e a inauguração deve acontecer ainda esse ano. Saímos
boquiabertos com a excelência do que vimos. Certamente Manaus terá a – ou uma
das – biblioteca(s) mais moderna(s) do país. Tudo o que o Secretário contou, e
mais uma porção de outras coisas, estava lá. Fotografei a máquina
que passa as páginas dos livros, pra frente e pra trás... é do outro mundo
!!
Máquina Passadora de Páginas na nova Biblioteca Pública do Amazonas (foto: DarioPR) |
Robério Braga,
muito obrigado por essa bela entrevista. Ficamos aqui na torcida para que o
Festival de Cinema do Amazonas tenha vida longa. E você também.
Grande abraço a
todos e até a próxima.
.DarioPR