ENTREVISTA DE JOSÉ VIANA DE OLIVEIRA PAULA – ZELITO VIANA

No último sábado, o 9º Amazon Film Festival começou em Manaus com uma homenagem a seu Presidente de Honra, o cineasta Zelito Viana, entregue pelo Secretário de Estado de Cultura do Estado do Amazonas, Sr. Robério Braga, num Teatro Amazonas lotado. 

 

Zelito Viana e Robério Braga no palco do Teatro Amazonas. foto: Wesley Andrade


Ontem à tarde, passado o frisson dos holofotes e os flashes do tapete vermelho, Zelito Viana gentilmente me concedeu uma longa e descontraída entrevista, que foi na verdade uma bem humorada e reveladora conversa, gravada em meu celular, e que vai transcrita aqui em detalhes. Muito obrigado, Zelito, pela "honra" desta entrevista.


 
- Zelito Viana, o que representa ser o Presidente de Honra do Amazonas Film Festival?
 

- Representa uma redundância. É uma honra pra mim ser o Presidente de Honra (risos). É um festival de grande importância no cenário nacional, e internacional, sempre com grandes filmes. Então, além de ser um grande prazer, me sinto muito honrado. Mas, pretendo em breve estar aqui não presidindo, mas competindo. 
 

- Isso quer dizer que há um projeto em andamento? 
 

- Sim, e estou até pensando em trazer o projeto pra ser executado aqui, pois a história fala de um ator famoso de televisão que de repente recebe um telefonema dizendo que seu pai morreu num lugar bem distante, na chamada "caixa prego", que pode muito bem ser aqui na Amazônia. Eu soube que o estado do Amazonas tem 1,5 milhões de km², e 3,5 milhões de habitantes, sendo que 2 milhões estão aqui em Manaus. Imagine a imensidão de áreas desertas, sem quase ninguém. Isso deve dá uma solidão enorme, o que é fantástico. 
 

- Sem falar na exuberância da natureza, perfeita para o cinema .. 
 

- Sim. Já dizia Humberto Mauro: “O Cinema é Cachoeira”. Você conhece a história dessa frase?
 

- Não.
 

- Todos os amigos dele que tinham sítio com cachoeira viviam atrás dele pedindo que ele filmasse a cachoeira. Cada um achava que tinha a cachoeira mais cinematográfica. Daí nasceu a frase. (risos).
 

- E como vai se chamar esse filme?
 

- Chama-se SEDUÇÃO. Ainda nem aprovei nas leis. Acabo de terminar o roteiro. É meio autobiográfico. Quando meu pai (Francisco Anysio de Oliveira Paula) morreu, eu conheci oito novos irmãos. Ele tinha várias famílias secretas pelo Brasil a fora. O que atrapalhou o esquema dele foi meu irmão Chico Anísio, que é Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho. Daí ele teve que assumir a paternidade, não só pelo nome idêntico como também pelo orgulho de ser pai do Chico Anísio. Não deu pra negar. Mas ele, coitado, sofreu muito por isso lá com a mulher dele .. (risos). Então eu resolvi fazer um filme que conta mais ou menos essa história. É uma pessoa do Rio, uma pessoa urbana, cujo pai morre num lugar ermo e distante, que a princípio seria o Rio Araguaia, mas eu estou querendo mudar pro Rio Negro. Ele não tem nada a ver com a floresta, com a vida não urbana, e vai em busca da história do pai, das mulheres do pai, e dos irmãos que ainda não conhece. Nesse processo ele vai sofrendo as influências de uma outra forma de ver e de viver, e vai se transformando. No final, ele volta pra ser ator de televisão na cidade grande, mas já não é a mesma pessoa. 
 

- É o único projeto do momento?
 

- Que nada. Acabamos de lançar em DVD um documentário - Augusto Boal e o Teatro do Oprimido. E finalizamos um outro que vai passar no Canal Brasil, um curta de ficção chamado Sonhos de Futebol, um projeto muito interessante feito no Rio com garotos menores infratores do DEGASE, que hoje a gente não pode dizer que estão presos porque é politicamente incorreto, ele estão cumprindo “medidas sócio-educativas” na Ilha do Governador, na instituição Padre Severino. Eu fiquei seis meses lá com eles ajudando a fazer o filme, que eles mesmos roteirizaram, inspirados na peça Chapetuba Futebol Clube, do Vianinha. O futebol era o ponto de interseção entre eles. Todos queriam ser jogador. E o making-off, que é muito maior que o filme, virou um documentário, chamado Caminhos do Sonho, que está inédito. Ambos vão passar no Canal Brasil seguidos de um debate. Ainda não sei quando.
 

- Mas eu fiquei sabendo de um outro trabalho teu, ainda inédito ..
 

- Ah sim, é verdade. Há um trabalho meu pronto que está inédito. Quer dizer, passou apenas no Festival de Recife. É um documentário que fiz em Pernambuco sobre jovens musicistas da favela do Coque. Chama-se Sons da Esperança, tem uns 80 minutos e ficou espetacular. Ele é estruturado da seguinte maneira: nos primeiros 40 minutos não tem nenhuma música. É só a favela e o pessoal se preparando pro concerto. Depois vem o Concerto inteiro, aí são 40 minutos só de música. Acho que é uma das melhores coisas que eu fiz na vida. É a favela mais pobre do Recife. E saiu de lá uma orquestra sinfônica que tem um som extraordinário. Gravei profissionalmente com 60 microfones, equipe de São Paulo, e ficou sensacional. 
 

- O povo brasileiro, e o nordestino em especial, tem uma musicalidade intrínseca, quase inata, e consegue produzir sons de qualidade surpreendente mesmo com muito pouca formação musical, concorda? 
 

- É claro. Essa orquestra tem 5 anos. E 5 anos de violoncelo por exemplo, não é nada. Você começa a se alfabetizar com oito anos nesse instrumento de corda, que é muito complicado de tocar e de afinar. Não tem as traves, você tem que por o dedo ali no local certinho pra poder dá a nota correta. É dificílimo, e eles tocam de forma impressionante. Você vai ver no filme. Vale a pena assistir. Eles não tocam música popular não, tocam Bach, Haydn, Mendelssohn. O filme passou em Recife pois foi produzido pelo Alfredo Bertini, que é diretor do Festival de Cinema de lá. Eu queria ter trazido esse filme pra apresentar aqui em Manaus, mas como eu não intervi na organização, o pessoal do escritório acabou fechando o Villa-Lobos, que é um filme expressivo da minha carreira mas não o que eu escolheria. 
 

- Ontem na abertura do Festival, você falou que acabou cineasta, mas que sua verdadeira paixão era a música. Como essa antiga paixão interfere na sua produção atual? 
 

- Eu estou acertando com o Secretário do Amazonas para dirigir uma ópera. No festival de 2014, pretendo fazer uma ópera aqui em Manaus. Ainda não sei o que vai ser. Vou estudar com o maestro John Neschling pra ver. Penso que deve ser um Villa Lobos, mas eles já fizeram aqui o Yerma, o Magdalena .. Vamos ter que pensar. 
 

- Que tal o Uirapuru? 
 

- Taí, de repente o Uirapuru é uma boa ideia. Eu sou mesmo apaixonado por boa música. Esse negócio de menino de favela tocando violino virou moda no Brasil e no mundo. Tem muita orquestra “sinfônica” assim pelo Brasil afora. Nesse caso específico dos meninos da Favela do Coque, eu me interessei de fazer porque eles são músicos de verdade, com ideal de se profissionalizar. Foram selecionados e formados pelo maestro Cussy de Almeida, que era muito chato e exigente. Daí só ficou quem realmente queria levar o trabalho a sério. Eles tiram um som incrível de instrumentos de baixa qualidade. Estamos até fazendo uma campanha pra conseguir instrumentos de alta qualidade pra eles. Aí vai ser uma coisa louca. Eu levei o maestro Edino Krieger pra conferir o som deles, até porque fiquei na dúvida se aquilo era mesmo bom. E ele me disse que nós vamos ter dificuldade de conseguir apoio pra comprar instrumentos de melhor qualidade, porque o som deles já é espetacular. 
 

- E sobre suas trilhas sonoras? 
 

- Eu fiz um documentário chamado Arte Para Todos, que vai do Barroco a Tunga, de Alejadinho a Arte Contemporânea, para esse filme eu montei a trilha sonora. Então é correto dizer que eu resolvo a minha frustração na música fazendo cinema. O Villa-Lobos por exemplo, eu fiz todo a partir da música. As sequências eram criadas para encaixar naquelas músicas. E aconteceu inclusive uma cena interessante em que um personagem deveria cair em determinado acorde. A ideia é que a gente ia sincronizar na ilha de montagem. Por uma incrível coincidência, o cara caiu justo no momento do acorde. Não precisou sincronizar nada. Eu filmava com a música na cabeça. Nós ouvíamos a música juntos antes de fazer a cena. Era assim. Já no Arte Para Todos foi o contrário. Era um documentário de artes plásticas, eu via a sequência e pensava que música ia colocar ali. Então foi divertidíssimo. É o maior barato ver o filme porque você fica vendo imagens belas e músicas ótimas. Aí não tem erro! (risos).
 

- Esse diálogo da música com o cinema quase sempre dá certo, né, Zelito? Você viu ontem o longa Colegas do Marcelo Galvão, em que a trilha sonora tem como esqueleto o repertório do Raul Seixas?
 

- Exatamente. Vi e gostei muito. A trilha sonora é muito boa e é um dos trunfos do filme. 
 

- Poderia aqui citar algum(s) nome(s) do novo cinema nacional que você admira?

Sergio Machado, membro do juri

- Olha, tem muita gente nova e boa que eu ainda nem conheço. Mas um diretor que me chamou atenção recentemente foi o Sérgio Machado, que está aqui no juri do festival.
 

- E sobre o cinema que chega do nordeste, você tem acompanhado essa cinematografia?
 

- Tenho visto e tido mais contato com o cinema de Pernambuco.
 

- Já viu O Som ao Redor, do Kleber Mendonça Filho?
 

- Ainda não. Eu vi dele um curta chamado Recife Frio que pra mim é uma obra-prima.
 

- Assim que puder, veja O Som ao Redor, pois é um grande filme. E tem outro de Pernambuco que vai estar em exibição aqui em Manaus na terça: Era Uma Vez Eu, Verônica. Vai poder ver?
 

- Sim, do outro Marcelo, o Marcelo Gomes, e com aquela ótima atriz, a .. Hermila Guedes! Eu vou ver tudo. Fico em Manaus até o último dia do Festival. Só não estou vendo os curtas amazonenses que estão passando agora porque estamos aqui conversando. Senão estaria lá. (risos).
 

Cena de Era Uma Vez Eu, Verônica. foto: divulgação

- Voltando ao passado, como foi seu começo no Cinema? E a experiência como Produtor do Glauber. Como foi isso?
 

- Quando comecei no Cinema eu era engenheiro e não tinha muita noção do que estava fazendo. Eu não sabia que ia ser cineasta, nem o que eu queria ser. Eu na verdade estava procurando saber. E tive a sorte de ter trabalhado com o Glauber. Quem me levou para o Cinema foi o Leon Hirszman, que era meu colega da engenharia. Leon me deixou na mão do Glauber Rocha, que era um gênio. Sem nenhuma dúvida uma pessoa superdotada, como foram Castro Alves, Villa-Lobos, Darcy Ribeiro, Oscar Niemeyer. Glauber inclusive sofria muito com isso, porque todo mundo que tem esse gênio, acaba tendo problemas, simplesmente porque as pessoas não os compreendem. Enfim, eu comecei com o Glauber, e caiu em nossa mão o roteiro de Terra em Transe. Uma coisa que eu me lembro bem é que, quanto mais líamos o roteiro, não só eu como também o Dib, o Luiz Carlos etc, a gente tinha pouco mais de 20 anos de idade, mas já sabia que estava fazendo uma obra-prima. Naquele tempo era muito agradável fazer um filme. Só quem ganhava dinheiro na equipe era o Dib. O resto era todo mundo amador. Os atores ganhavam um cachê “simbólico”. Era uma aventura e tinha um aspecto lúdico muito grande. E isso, o cinema de hoje infelizmente perdeu. 
 

- A noção de que era uma obra-prima vinha pela qualidade do roteiro ou pela confluência daquelas pessoas naquele momento histórico?
 

- Pela qualidade do roteiro. Inclusive o roteiro é melhor do que o filme. Nós não tivemos condições de produzir aquilo que o roteiro nos mandava. Eu como produtor posso fazer essa autocrítica com toda a sinceridade, porque a verdade é que não tínhamos dinheiro pra fazer tudo aquilo que o roteiro pedia. Mas o roteiro é maravilhoso.
 

- Taí uma ideia para os herdeiros do patrimônio glauberiano: uma publicação póstuma do roteiro de Terra em Transe. 
 

- Pois é. 
 

- Como você vê o cinema brasileiro das últimas décadas?
 

- O governo Collor acabou com o cinema brasileiro durante um período. Eles fecharam a Embrafilme e uma cinematografia que produzia cem filmes por ano passou a fazer um ou dois. E esse hiato durou uns três ou quatro anos. 
 

- Você crê que foi um ato de caso pensado? Ou foi mais o resultado da inocência política daquele governo?
 

- Olha, aí eu não sei te dizer. Agora, tem um bandido na história, que foi o Ipojuca, que era o secretário e detestava o Cinema Novo, era contra a gente, era contra a Embrafilme .. Então, com certeza, teve uma ideologia por trás. Uma ideologia de direita! Mas tudo bem. Isso aí já passou. A consequência disso foi que as pessoas largaram o cinema, porque não tinham como sobreviver fazendo filmes. Eu por exemplo fui parar na televisão. Outros foram para os comerciais. Então, quando o cinema retomou, os profissionais do cinema eram as pessoas que vinham dos comerciais. Então, produzir cinema passou a ser como fazer um comercial por dia. O custo de um filme foi multiplicado por 100. Enquanto que Terra em Transe na época custou entre 70-80 mil dólares. Hoje você não faria com menos de 2 milhões. Eu levei meia hora para convencer o Coppola que Os Condenados tinha custado 80 mil dólares. Eu estava almoçando na casa dele, ele tinha acabado de ver o filme, e não acreditava que isso fosse possível. 80 mil pra eles é a “gorjeta do guarda”.
 

- Como se deu esse “encarecimento” da produção cinematográfica brasileira?
 

- Os custos deram um pulo extraordinário porque os profissionais começaram a exigir muito. As equipes foram ficando mais caras. Eles passaram a querer comida no set, transporte assim e assado, e foram ficando cada vez mais e mais exigentes. E aí surgiram as Leis de Incentivo Fiscal pra agravar ainda mais a situação. O profissional diz: Por que você não me paga “tanto”? O dinheiro não é seu, é da Petrobrás! E aí? .. E o resultado é que hoje a gente perdeu o charme de fazer um filme bom e barato, com qualidade internacional, disputando nos maiores festivais do mundo. Esse charme a gente não tem mais. Quem consegue fazer isso hoje são os Argentinos (risos). Por outro lado, as Leis de Incentivo foram boas no sentido de permitir a retomada do Cinema Brasileiro. Mas elas carregam dentro de si um vício. Por exemplo, um filme como o do Matheus Nachtergaele .. 
 

- A Festa da Menina Morta?
 

- Isso! Não há cinematografia em lugar nenhum do mundo que consiga bancar fazer um filme como aquele. É uma viagem pessoal dele de um problema que ele tem com o pai .. Enfim, uma coisa totalmente pessoal do Matheus. Não estou com isso tirando o mérito do filme, que é interessante e bem feito. Estou dizendo que seria um filme improduzível, se você não tivesse uma Lei de Incentivo por trás. 
 

- A Febre do Rato seria outro exemplo?
 

- Também. Não há possibilidade de encontrar ninguém que resolva investir seu dinheiro num filme como A Febre do Rato. Só a viúva poderia fazer isso (muitos risos). Não estou aqui julgando o mérito se isso é uma ação positiva ou negativa. Mas o outro lado é que os filmes em que é possível convencer os patrocinadores a investir são comédias como E aí, Comeu?, Até que a Sorte nos Separe, De Pernas pro Ar ..
 

- Blockbusters!?
 

- É. E aí fica todo mundo querendo fazer isso. O filme médio, por exemplo, anda sumido. Porque é difícil fazer um filme “normal”. Esse filme que estou fazendo, o Sedução, eu tenho uma dificuldade enorme de captar, porque ele não é uma viagem pessoal minha (pra abocanhar um edital cultural), e também não é um blockbuster. Aí o cara acaba achando melhor não fazer. E o que faz a indústria acontecer é o filme médio. Nem a viagem pessoal nem o blockbuster criam emprego. O que cria emprego é o filme “normal”. Esse que esses meninos fizeram aí .. que vimos ontem ..
 

- Colegas?
 

- Colegas! Esse é um filme “normal”. Está cada vez mais difícil fazer um filme assim. Um filme como A Febre do Rato você encontra na praça com mais frequência que o cinema “normal”. 
 

Ariel Goldenberg em Cena de Colegas. foto: divulgação

- Você vê então com pessimismo a qualidade das futuras produções do Cinema Brasileiro?
 

- Não. Sou uma pessoa otimista, acho que o que vai modificar mesmo é isso aqui (toca no meu gravador/celular): os meios de produção. Antigamente o sujeito para fazer um filme precisava ter acesso a um grande aparato tecnológico, a uma câmara de 35mm, equipamentos de luz, rolos e mais rolos de película, gravadores .. fazer um efeito especial demandava uma dificuldade estúpida .. Agora já não. Daqui a pouco você vai estar filmando com um celular com a mesma qualidade de antes. Isso não resta dúvida. Está chegando .. Já está aí .. A película já acabou. Em 2015 a Kodak já não vai produzir. O cinema vai ser todo digital. Isso vai democratizar efetivamente o uso do veículo. Então o cinema fatalmente vai mudar.

- Quem é que vai conseguir ficar? Porque aí vai haver uma quantidade enorme de material produzido. E aquela produção que vai ser vista pelo público e fazer história no cinema, vai ser qual?
 

- Aí, meu amigo .. o talento é o talento. Tudo depende do que você tem a dizer. Se você tiver alguma coisa a dizer, você vai aparecer. Agora, o que é interessante é que, como vai ser imensa a quantidade, a qualidade vai aumentar, pois a qualidade vem da quantidade .. Por que o Brasil tem fantásticos jogadores de futebol? Porque tem milhões de caras querendo ser jogadores. E ali tem uma peneira gigantesca. Então, o filme que conseguir furar a quantidade imensa de filmes que irão existir, esse vai ser o bom. Não vai ser como hoje, que ele consegue furar por outros caminhos. Tem uma frase do Coppola que diz mais ou menos assim: “Eu espero que um dia uma garotinha de 9 anos do Maine pegue a câmera do pai e faça uma obra-prima, como Mozart fez uma sinfonia”. Aí o cinema vai virar uma arte, efetivamente, quando o acesso a produção for generalizado e qualquer pessoa puder fazer um filme. Hoje ainda se tem a limitação técnica, que é muito forte. Qualquer pessoa pode escrever um poema. Qualquer pobre, velho, gordo, rico, morando no Canadá ou no Brasil, é só pegar um lapiz e um papel, ou a parede da sua casa, e pode tranquilamente escrever um poema. Mas fazer um filme não. Ainda não. Mas daqui a pouco vai poder.
 

- Zelito, você acha que a Distribuição dos filmes e o número de Salas de Cinema tendem a melhorar?
 

- Tem que melhorar. Temos um décimo das salas que tem o México, com uma produção maior. Precisamos ter muito mais salas, de projeção digital, e com baixo preço, porque por enquanto a sala digital ainda é cara .. e eles fazem de tudo pra que continue cara. Por isso inventaram o digital 3D. Mas me disseram hoje que com mil dólares já se compra uma câmera 3D. É uma briga entre o marketing e a tecnologia pra ver se conseguem manter as coisas caras, mas as coisas estão barateando mesmo. No meu tempo uma câmera profissional custava 150-200 mil dólares. Hoje uma câmera de 20 mil já é superprofissional. Sem falar que não precisa mais do negativo. E um efeito especial se cria com um click. Hoje em dia se você errar 4 diafragmas pra cima ou 4 diafragmas pra baixo, não tem problema, a gente concerta na edição. Enfim, as coisas vão caminhar no sentido da democratização mesmo, baixando os custos e melhorando o acesso ao produto.
 

- E a Internet. Veio contribuir?
 

- Claro. Hoje onde você estiver no mundo pode acessar a internet, ler ou fazer download do filme ou do livro que você quiser. Eu para estudar cinema tive que ir para a Cinemateca de Paris. Era o diabo conseguir ver um filme bom. Hoje você vai no Google, escreve lá Murnau, e vê todos os filmes dele, lê tudo sobre ele, e tem tanto material que você vai enlouquecer. 
 

- E as Novas Tecnologias?
 

- Outro dia eu estava no avião e uma criança de mais ou menos um ano e meio brincava com um ipad no colo da mãe. O comandante anunciou que os aparelhos eletrônicos deviam ser desligados. E a criança caiu num berreiro. Como vai ser a cabeça dessa criança daqui a 10 anos? A gente não sabe. A gente está no “olho do furação”. Você lembra que o Dick Tracy falava com o agente dele pelo relógio? Quem diria que em tão pouco tempo todo mundo ia poder ser o Dick Tracy!? E o que vai ser daqui a 10 anos? Não sei. Não faço a menor ideia.


Manaus, 04/11/12.