360 é quantos graus tem o giro que a Terra dá em torno de si própria até voltar ao ponto de partida pra recomeçar. É também o título do mais novo longa dirigido por Fernando Meirelles, que abriu na noite de ontem, com pompa e circunstância, o 40º Festival de Cinema de Gramado.
Lucia Siposová - Mirkha - e Gabriela Marcinkova - Anna - em cena de 360 |
A princípio parece apenas mais um filme-colagem: estilo em que várias tramas independentes correm paralelas, interconectando-se em algum momento. São 9 histórias de personagens à primeira vista totalmente distintos, de diferentes religiões e nacionalidades. À medida que a narrativa segue, novas facetas vão se revelando. Para além da mera casualidade dos encontros, um ponto em comum intersecciona a vida desses personagens. Todos são colocados diante de uma encruzilhada, uma 'tentação', onde precisam fazer uma escolha: Trair ou ser fiel? Pular a cerca ou segurar a onda? Render-se ao desejo carnal profano e momentâneo, ou manter-se firme nos laços sagrados da moral religiosa e da ética familiar? Enfim: se segurar ou prevaricar?
Cada personagem lida com essa situação de modo diverso, mas é fácil adivinhar que quase todos caem na tentação, e acabam tendo que arcar com as consequências de suas escolhas. Todavia, numa ousada ironia dramática, justamente o personagem de quem se espera os atos de maior vandalismo libidinal – um psicopata especializado em crimes de agressão sexual – é quem consegue a façanha de domar o imperativo de seu desejo, num momento em que todos admitem, e até torcem, para que ele também caia na teia florida da tentação; inclusive nós, espectadores. Um golpe certeiro do roteiro de Peter Morgan.
Ben Foster em cena de 360 |
O elenco esbanja charme. Meirelles sabe extrair o melhor de cada ator e as atuações são quase sempre memoráveis. Os principais destaques são: Anthony Hopkins, que felizmente consegue sair da mesmice que vinha imprimindo a seus últimos papeis; Ben Foster, cujo mergulho no universo do personagem confere uma densidade inesperada a um biótipo que facilmente poderia cair no lugar-comum; e Maria Flor, que surpreende pela desenvoltura com que contracena com essas feras sem perder a naturalidade e garantindo a emoção à flor da pele. Aquela, lacrimosa, que o público brasileiro não abre mão .. Maria Flor é a grande (e boa) surpresa deste elenco e, sem dúvida, 360 representará um divisor de águas em sua careira.
Maria Flor na coletiva de imprensa hoje (foto Graça Paes/Rio News)
A trilha sonora funciona impecavelmente. Cada historinha tem seu tema. Canções e personagens estão sintonizados de tal maneira que em um dos casos é o próprio ator que compõe e interpreta sua música tema. Pensaram no Jude Law? Não. Sir Anthony Hannibal Hopkins. Ele mesmo, compondo e cantando.
E o que dizer da direção do filme? Como era de se esperar, destila competência, sutileza e conhecimento de causa. Querendo fazer um filme sobre as emoções humanas e partindo da premissa poética de que “só o que se esconde pode ser revelado”, o diretor opta por sugerir mais que explicitar, “deixando um espaço para que o espectador complete em sua cabeça o que não vê na tela”, nas palavras do próprio Fernando Meirelles. Ele faz eficiente uso de recursos difíceis e ousados, tais como movimentos de câmera não sincronizados com o movimento dos atores .. Ele prioriza focos e enquadramentos pouco usuais, geralmente deixando a ação real do filme não tão centralizada, nem tão focada, nem tão explícita quanto estamos acostumados a ver no cinema contemporâneo.
A fotografia de Adriano Goldman acompanha com maestria as concepções da direção, usa e abusa da luz natural, e não é casual a captura em 16mm, que na telona resulta numa textura pouco habitual, mais granulada, como que pondo “uma espécie de véu entre o objeto fotografado e quem está assistindo”. As opções acertadas de direção e fotografia conferem grande eficácia estética ao produto final, contribuindo decisivamente para que o filme encontre o clima de drama psicológico e um charme atemporal .. imprescindíveis !!
Fernando Meirelles no set de 360