EU NÃO FAÇO A MENOR IDEIA DO QUE VÔ ESCREVER NESSA CRÍTICA

Ontem, após o filme de abertura – 360 – o Festival de Gramado nos brindou com a emocionante homenagem a atriz Eva Wilma, 78 anos, que recebeu o troféu Cidade de Gramado e celebrou seus mais de 60 anos de carreira.  Vivinha mandou um recado certeiro para os realizadores presentes: quer voltar a fazer cinema. E terminou seu discurso citando Leonel Brizola: “A indústria nacional do cinema será o elo que unirá todos os brasileiros”. Foi calorosamente aplaudida.


Eva Wilma (foto Louise Duarte)

Na sequência tivemos a estreia da Mostra Competitiva de Longas Brasileiros. EU NÃO FAÇO A MENOR IDEIA DO QUE TÔ FAZENDO DA MINHA VIDA, segundo filme do jovem realizador Matheus Souza, 24 anos, que ganhou o respeito do meio há 4 anos quando seu longa APENAS O FIM levou o prêmio de melhor filme pelo Júri Popular no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo. Depois de um debut tão caloroso, o desafio do segundo filme torna-se quase ameaçador. Foi o que deixou claro o diretor em sua fala de apresentação, sem disfarçar o evidente nervosismo.

Com um título que é quase um trava-línguas de tão longo, e feito com baixíssimo orçamento numa “ação entre amigos”, EU NÃO FAÇO... acompanha a trajetória de Clara (Clarice Falcão) que, decididamente, não sabe o que quer da vida. Resolve fazer medicina porque quase toda sua família é composta por médicos. Sabe que não é essa a profissão que quer seguir, mas também não faz ideia de qual seja. Começa então a faltar as aulas pra poder pensar na vida. Passa as manhãs fazendo “experiências” cujo objetivo é descobrir afinal o que ela realmente gosta e qual é sua verdadeira vocação. Durante essa jornada de auto-conhecimento, Clara se depara com o mundo adulto e acaba se dando conta que não é a única a sentir-se perdida na vida.


Matheus Souza e Rodrigo Pandolfo na coletiva de hoje (foto Louise Duarte)

O filme é singelo e despretensioso  A maioria das cenas foi filmada em externas: o jardim da faculdade, a praia, o boliche, a pista de patinação no gelo e pontos turísticos do Rio, como Cristo Redentor, Pedra da Gávea e Vista Chinesa. A direção é simples e por isso mesmo eficiente. A câmera persegue a personagem pra cá e pra lá, ora correndo à-toa, ora dançando sem música, ora voando de asa delta .. O diretor opta por abusar dos planos fixos e da câmera na mão sem comprometer o conjunto, pois a ideia é justamente nos fazer crer que o filme está sendo rodado pela própria personagem. Dá certo.

Clarice Falcão protagoniza o filme da primeira a última cena, imprimindo uma interpretação minimalista e infantiloide  que resulta eficaz ao criar uma personalidade para uma personagem cuja principal característica é a falta de personalidade. Merece destaque ainda a atuação empolgada de Rodrigo Pandolfo, como o amigo-mentor que empurra a personagem para ação, marcando o ritmo do filme. Bianca Byington também surpreende fazendo uma mãe depressiva e mosca-morta.


Clarice Falcão na coletiva (foto Louise Duarte)

Um dos pontos altos é a participação de atores consagrados em pequenos personagens que vem divertidamente contracenar com nossa heroína, garantindo diálogos inteligentes e cenas de puro e singelo humor. Temos Leandro Hassun, Daniel Filho, Alexandre Nero, Kiko Mascarenhas, Gregório Duvivier, entre outros, roubando a cena. Há também uma colagem de trechos aparentemente documentais, de comicidade garantida, em que Clara entrevista transeuntes em praça pública. As piadas que emergem daí são de pura alegria.


Clarice e Daniel Filho em cena do filme

O filme tangencia algumas discussões filosóficas, mas acaba optando por falar de temas densos como morte, medo, solidão, ética, frustração, deus, felicidade e até amor, num tom mais leve, mesclado a toques do mais corriqueiro cotidiano, e às vezes resvalando para uma abordagem meio .. auto-ajuda. Coisa própria da juventude.

Um bom momento acontece quando Clara resolve fazer um vídeo pra concorrer no Big Brother defendendo que sua principal qualidade como candidata é sua falta de personalidade. “Eu tenho medo de não ter talento algum, mas se o Brasil me amasse por dois meses eu não me sentiria tão mal”, deClara. No fim, fica no ar a fugaz constatação de que toda filosofia é vã e acaba irremediavelmente engolida pelo inusitado do cotidiano.


Clarice e Rodrigo ontem logo após a sessão


EU NÃO FAÇO A MENOR IDEIA DO QUE EU TÔ FAZENDO DA MINHA VIDA ainda não tem Distribuidor oficial. Tomara que a repercussão alcançada em Gramado resolva esse dilema, pois o filme com certeza será bem recebido pela audiência, principalmente o público jovem. 

Enfim, pra quem não sabia o que ia dizer, até que fui bem na missão de descobrir enquanto escrevo, né? Agora vou me arrumar porque daqui a pouco recomeça a maratona. Hoje tem a primeira sessão dos Curtas Gaúchos, dois curtas nacionais e dois longas, um uruguaio e um brasileiro. Haja energia !!

Até loguinho
.DarioPR