MAD MAX: ESTRADA DA FÚRIA ( 2015 / Austrália-EUA / Ação / 120') de George Miller - por Thiago Sardenberg


Mad Max: Estrada da Fúria é um veneno antimonotonia extremamente eficaz no combate a mesmice que tomou conta do cinema de ação contemporâneo. No filme entorpecente de George Miller, não há espaço para câmeras tremidas, cortes a cada dois segundos e trilha sonora genérica. Estamos diante de um cineasta artesão, coisa rara hoje em dia num 'cinemão' cada vez mais dominado por videoclipeiros e fotógrafos de cartão postal. Seu filme opera num outro registro, no qual qualidades fundamentais do bom cinema de gênero, coisas básicas como construção de atmosfera e domínio do espaço fílmico, não são deixadas para escanteio.

Nesta insana ópera heavy metal do caos, não faltam explosões e colisões espetaculares, mas veja só que raridade, aqui o espectador consegue de fato se situar na ação e imergir naquele universo cinematográfico singular, composto por personagens bizarros e geniais de tão criativos. Para tanto, vale destacar a direção de arte mais inventiva dos últimos anos, digna de todos os prêmios que possa vir a receber, no qual um carro porco-espinho, e outro com tambores, caixas de som e até mesmo um guitarrista que solta fogo pelo instrumento, não são ideias tão absurdas que não possam ser executadas.

No futuro pós-apocalíptico de George Miller, tampouco há espaço para aquela manjada fotografia de tons acinzentados que parece ter dominado o gênero como única opção estética possível para se apresentar um universo distópico. Seu filme é composto por um contraste de cores fortes de encher os olhos (o laranja de dia e o azul à noite). O apuro estético aqui não é mera perfumaria. Está a serviço de um tom fabular carregado de fortes tintas épicas, onde o elemento trágico está sempre presente. O resultado é um filme dotado de urgência onde as imagens grudam à retina.

Mad Max: Estrada da Fúria é um filme tenso, catártico, que estimula os sentidos e envolve o espectador com potência e precisão. Uma aula de cinema ministrada com vigor e paixão, proporcionando uma festa aos olhos e ouvidos. Mas apesar disso tudo, não é um filme de Mad Max. Quem esperou ansiosamente durante 30 anos para reencontrar o icônico “guerreiro das estradas” pode se frustrar ao notar que aqui Max Rockatansky é mero coadjuvante. A verdadeira protagonista do filme é a Imperatriz Furiosa, personagem forte e repleta de carisma, capaz de rivalizar com qualquer uma das grandes heroínas da história do cinema.

Nesse ponto, as comparações com o ator da trilogia original se tornam inevitáveis. Tom Hardy se esforça, revira os olhos pra lá e pra cá, faz caretas, mas ao final não passa disso, um ator se esforçando muito. Em nenhum momento, deixa transparecer sequer a sombra do carisma natural que Mel Gibson imprimia ao personagem. Diante desse quadro, fica fácil para Charlize Theron, grande atriz que sempre foi, engolir seu colega de cena e tomar o filme para si. É nela que vemos sangue nos olhos e é por ela que escolhemos torcer.

Falta ao Max Rockatansky de Tom Hardy aquele instinto de sobrevivência feroz que era a força do personagem na trilogia original. Aqui o personagem se resume a um ex-policial atormentado pela perda da família, mas o peso dos fantasmas do passado fica só nos breves flashbacks. Para não botar tudo na conta do ator, vale pontuar que essa condição de coadjuvante já está embutida no próprio roteiro, uma vez que é em torno da Imperatriz Furiosa que gira o conflito central do filme e é ela quem faz a trama mover. Se o roteiro teria seguido esse mesmo caminho caso Mel Gibson estivesse no projeto é dessas questões que nos fazem pensar se veio primeiro o ovo ou a galinha. No grande filme que sem dúvida é Mad Max: Estrada da Fúria faltou apenas o Mad Max.

Thiago Sardenberg