Em 2004, Shane Carruth lançava PRIMER, um filme sobre viagem no tempo com um orçamento surpreendente de sete mil dólares. Para alguns, pretensioso, para outros, genial. PRIMER tem direção pouco inspirada e montagem irregular ao lado de um roteiro muito bem escrito e pesquisado, sem buraco algum. O fato é que o filme surpreendeu a muitos e criou uma legião de fãs e curiosos que aguardavam por seu próximo filme, que só chegou nove anos depois.
CORES DO DESTINO é certamente menos complexo que PRIMER, mas isso não é ruim. Muito pelo contrário: aqui o roteiro não sobrepõe o que vemos em tela, porque não é esse mais o objetivo. O roteiro de UPSTREAM COLOR valoriza mais a percepção e a experimentação do que o desvendamento de um mistério ou método, a começar pela premissa.
Um ladrão busca larvas em um determinado tipo de planta numa floricultura. Essas, quando ingeridas, tem como efeito a total submissão de quem as ingere. Acompanhamos Kris, vítima de um ladrão que utilizou essa droga para roubar todo seu dinheiro. Kris eventualmente se livra da larva, e essa é transferida para um porco, que passa aos cuidados de um fazendeiro. Dias (ou seriam semanas, meses?) depois, Kris encontra Jeff e vive um relacionamento com ele, para aos poucos descobrir a real natureza do que os dois estão sentindo.
A direção remete a Terrence Malick, mas tem uma ânsia por decompor as ações constantemente, mesmo enquanto a câmera caminha lentamente. Isso poderia não funcionar se a montagem não fosse tão precisa. O ritmo, muito regular, mesmo rápido permite a reflexão nas cenas, não nos apresentando aos fatos com pressa. Há tempo para sentir o que está sendo dito, em parte pela trilha sonora impecável e fundamental também para a narrativa. Tão fundamental que em determinado momento o filme nos faz questionar se é diegética ou não – e ainda não sei a resposta pra isso. A trilha dialoga com o design sonoro maravilhosamente. Esse último é sem dúvidas o maior mérito técnico do filme, se tornando também elemento narrativo essencial para a experiência sensorial proposta pelo realizador. Tudo flui e de certa forma entra no filme, possibilitando uma imersão que nos ajuda a captar a mensagem de Carruth e formular nossas próprias perguntas e respostas.
Apesar de não parecer simples, o roteiro é fechado narrativamente, mas aberto à nossa interpretação acerca das intenções de Carruth. Por que sentimos o que sentimos? Temos total livre-arbítrio ou somos guiados pelo destino? Para mim, essas são as perguntas, mas outras podem surgir para demais espectadores. O filme deixa uma inquietação que pode durar dias (ou semanas, meses), e esse é o real objetivo do segundo longa do diretor. Shane Carruth pela segunda vez nos faz pensar, só que dessa vez pra muito além do filme.
Pedro de Alencar