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Foto para o Cartaz de Moonrise Kingdom (divulgação) |
Em
meio a tantos filmes interessantes no Festival do Rio 2012, a única opção
possível é priorizar aqueles que mais te interessam. Fui ver umas das atrações
mais concorridas dessa semana na Mostra Panorama do Cinema Mundial: Moonrise Kingdom, a última comédia do
diretor texano Wes Anderson. Sou fã
de carteirinha de filmes autorais, aqueles em que o realizador deixa sua marca
inconfundível e cria seu próprio estilo. Wes Anderson é um diretor assim. Quem
acompanha sua obra sabe que um trabalho seu pode ser reconhecido mesmo que o
expectador esteja vendo um fragmento de filme sem nenhuma informação a respeito,
tamanha a força de sua autoralidade e
a precisão de sua assinatura. Essa é uma característica de poucos e escolhidos
diretores do cinema contemporâneo. Com Anderson foi assim desde seu primeiro
filme, Bottle Rocket, de 1996.
Depois veio Rashmore, de 1998, Os
Excêntricos Tenenbauns (The Royal Tenenbaums) de 2001, A Vida Marinha
com Steve Zissou (The Life Aquatic with Steve Zissou) de 2004, Viagem a
Darjeeling (The Darjeeling Limited) de 2007, O Fantástico Sr. Raposo (Fantastic
Mr. Fox) de 2009, e agora Moonrise
Kingdom, de 2012. Todos são comédias, mas nenhum é simplesmente cômico. Um filme
de Wes Anderson se caracteriza pelo mergulho que faz no mundo mágico e
aventureiro do diretor, e pelo que tem de pictórico e pitoresco, esquisito e
excêntrico, pessoal e intransferível .. Meu preferido dele até agora era Viagem a Darjeeling, mas Moonrise chegou abalando estruturas, e
me pareceu o melhor Anderson até agora. O que não é difícil quando se trata de
um diretor que vem se superando a cada trabalho.
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Wes Anderson - diretor (divulgação) |
“É
incrível a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer”. A
frase de Caetano Veloso, carregada de verdade profética, me veio à mente durante
a projeção desse filme. Moonrise Kingdom
narra a trajetória de dois adolescentes, Sam e Suzy, que tem em comum o fato de
terem ambos 12 anos e serem, cada um a sua maneira, seres ímpares, raros,
mal-compreendidos, “problemáticos” para o convívio social e, por isso mesmo,
solitários. Quando duas pessoas assim se encontram, a afinidade que se instaura
é tanta, que o elo que estabelecido é, no mínimo, avassalador.
Estamos
no verão de 1965 em New Penzance, uma pequena ilha perdida na costa da Nova
Inglaterra. Sam Shakusky (Jared Gilman),
órfão, é recusado por seus últimos pais adotivos que não aguentam mais as encrencas
em que o menino insiste em se meter. No momento ele está vivendo no Campo de
Escoteiros Ivanhoé, com um líder neurastênico (Edward Norton) e um bando heterogêneo de outros jovens escoteiros, todos
hilários em suas diferenças. A 12 milhas de distância, Suzy Bishop (Kara
Hayward) vive numa bela e confortável casa com três irmãos menores e seus
pais (Frances McDormand e Bill Murray). Filha mais velha de uma
família aparentemente convencional, ela está sempre se metendo em brigas com
suas colegas de sala, não faz amizades, tem como objeto de estimação um
binóculo e gasta seu tempo lendo histórias de aventura em livros
infanto-juvenis que rouba da biblioteca. Sam e Suzy se conhecem “casualmente”
numa apresentação de teatro infantil da Arca de Noé em que ela faz o papel do
corvo. É amor à primeira vista. A partir daí começa uma voraz correspondência e,
meses depois, ambos fogem de seus respectivos lares para se encontrarem e viverem juntos algo que eles ainda não
sabem muito bem o que é. Pronto! Está inaugurada a ação do filme.
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Edward Norton e o grupo de escoteiros em cena de Moonrise Kingdom (divulgação) |
Quando
a fuga deles é descoberta, o grupo de escoteiros se junta aos pais de Suzy e,
com a ajuda do comissário de polícia da ilha (Bruce Willis), partem no encalço dos jovens fugitivos. Mas nada
consegue deter a força do encontro estabelecido entre eles. Juntos e em fuga numa
ilha (quase) deserta, eles vivem a aventura do primeiro amor e a descoberta da
sexualidade .. É bomba !!
Outros
personagens impagáveis vão se somando a trama ao longo dos 94 minutos de filme.
É o caso do comandante Pierce (Harvey
Keitel), da agente do serviço social (Tilda
Swinton) e de um hilariante personagem narrador (Bob Balaban) que aparece do nada com informações (in)úteis, falando
diretamente ao expectador e desmontando qualquer resquício de convencionalidade que possa ter restado
na estrutura narrativa. Ele traz o elemento meteorológico que paira sobre o enredo
como uma ameaça dramatúrgica a ser
definida: um grande temporal se
aproxima velozmente do arquipélago, e pode pegar de surpresa nossos
personagens, definindo seus destinos, trágica ou gloriosamente.
Bill Murray, Frances McDormand, Edward Norton e Bruce Willis em cena (divulgação) |
O
tom teatral marca o andamento do filme. Os diálogos
são inteligentes e afiadíssimos. As locações
são estruturadas como cenários e cada sequência é meticulosamente trabalhada. O
resultado não poderia deixar de ser um verdadeiro colírio para os olhos. O enquadramento das tomadas é perfeito, e
cada movimento de câmera é milimetricamente
planejado. Reparei um exagero de zoom-outs (será?), mas que não comprometem o
conjunto.
Um
momento simplesmente genial é o plano-sequência
de abertura, em que a residência dos Bishops é exibida como uma casa de
bonecas que vai sendo rastreada à exaustão pela câmera, na horizontal e na
vertical, enquanto fragmentos de ação vão revelando características sutis dos
membros da família. Só essa cena já vale o filme ..
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Suzy Bishop (Kara Hayward) e seus irmãos em cena de Moonrise
Kingdom (divulgação)
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No
filme todo paira um vago tom pastel e a impressão de que tudo está um pouco
fora do centro, nos dando a indelével sensação de que personagens e lugares não
fazem parte da realidade, mas existem de fato no mundo dos contos de fadas e das
histórias de aventura. Aliás, o roteiro
é uma grande homenagem ao universo da literatura infanto-juvenil, que Suzy segue
lendo durante todo o filme. Fantastic Mr.
Fox, penúltimo longa de Anderson, foi adaptado de um clássico desse gênero.
O
elenco dá show. Os dois atores jovens e quase desconhecidos nos papéis
principais foi uma escolha arriscada e acertada. Eles são excelentes e contam
com a ajuda de um time da pesada. Bruce Willis surpreende numa atuação contida
e humanizada que escapa dos estereótipos em que estamos habituados a vê-lo.
Bill Murray e Frances McDormand também se esmerilham na construção de seus atípicos
personagens, um casal de advogados tão disfuncional que conversam um com o
outro em linguagem jurídica. Edward Norton brilha como o líder escoteiro
repleto de gestos propositalmente caricatos e nuances cômicas. Harvey Keitel,
Tilda Swinton e Jason Schwartzman, apesar de terem aparições menores, também estão
impecáveis.
Suzy Bishop (Kara Hayward) e Sam Shakusky (Jared Gilman)
em cena (divulgação)
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A
direção de arte, que caprichou nos
objetos de época, nos transporta divertidamente aos anos 60, ajudada pela trilha sonora, que faz uma mistura
perfeita e inusitada de marchinhas militares, canções pop da época e música
clássica da boa, construindo cena-a-cena a expectativa de um grand finale. Como numa ópera. Merece
destaque a sequência onde há uma explicação didática sobre a construção de uma
peça operística como trilha sonora. Um
requinte a mais num filme que esbanja elegância de cabo a rabo, deixa o espectador com
um sorriso no rosto o tempo todo, e faz a gente sair do cinema com uma estranha
sensação de felicidade.
Externa de Moonrise Kingdom (foto: divulgação) |
Moonrise Kingdom foi o filme de abertura do Festival de
Cannes este ano, em maio último. Estréia
no circuito comercial brasileiro já na próxima semana. Que bom! Verei
novamente. Espero ver esse filme várias vezes nas próximas décadas .. E já fico
na expectativa pelo mais novo projeto de Wes Anderson, The Grand Budapest Hotel, com Johnny Depp, ainda em pré-produção.
Não
percam !!
Abç
.DarioPR
Bill Murray, Tilda Swinton, Bruce Willis e Edward Norton em cena de Moonrise Kingdom (divulgação) |