.. VENTOS DO MAR SOPRAM POR TODO O PAÍS – TUDO QUE EU AMO ..

cena de ALL THAT I LOVE (foto: divulgação)

É cada vez mais comum ver filmes produzidos há 2-3 anos ou mais estreando na telona. Felizmente! Um bom filme deve sempre entrar em cartaz. Antes tarde .. É o caso do drama-cômico-político-musical Tudo Que Eu Amo / All That I Love, de 2009, que essa semana chegou ao circuito paulistano sem muito estardalhaço: em apenas uma sala no CineSesc da Augusta. Tenho uma incontrolável atração por esses filmes “menores”, garimpados em festivais .. e se for lançado em apenas uma sala então .. me apaixono! Esse filme em especial me chamou  mais atenção por ser polonês, orçamento modesto, pouco comercial, diretor novo e sem estrelas no elenco .. Fui correndo conferir.

Com título original Wszystko co kocham (como será que se pronuncia isso, meu deus?), a obra fez uma modesta e significativa passagem por festivais. Já em 2009 ganhou os prêmios de melhor filme pelo júri popular e melhor desenho de produção no Polish Film Festival. Em 2010 foi um dos indicados a melhor filme em Sundance, a grande vitrine do cinema independente no Ocidente. Passou também pelos festivais internacionais de Pusan e Rotterdam. E em 2011 recebeu nove indicações no Polish Film Awards, faturando três delas (melhor filme pelo júri popular, melhor roteiro e ator revelação para Mateusz Kosciukiewicz). Roteiro e direção são de Jacek Borcuch, sem trabalhos de peso até agora, e mais conhecido por aqui como ator no clássico polonês A Dívida (1999) de Krzysztof Krauze.

Janek (Mateusz Kosciukiewicz) e Basia (Olga Frycz) em cena (foto: divulgação)



Vamos à história: O ano é 1981. O lugar chama-se Hel e é uma pequena cidade costeira no norte da Polônia. Fica numa península, quase uma ilha, cravada no Mar Báltico. Há rumores de que uma mudança política radical está prestes a acontecer no país. A população está insatisfeita com o regime comunista e o movimento Solidariedade, liderado pelo sindicalista Lech Walesa, cada dia fica mais forte. A tensão crescente leva o governo polonês a impor a lei marcial, declarando Estado de Sítio.

Janek (Mateusz Kosciukiewicz), 18 anos, filho de um capitão da marinha, mantém uma banda de punk-rock com o irmão e dois amigos. Eles ensaiam num vagão abandonado e pretendem participar de um festival nacional. Janek não é propriamente um jovem alienado, mas as questões políticas e sociais de seu país não são o foco de seus interesses. Está mais voltado às suas questões pessoais, sua música, sua família, sua namorada .. enfim, às coisas que ele ama. Até que a política irrompe em sua vida, atrapalhando seus melhores planos de felicidade e levando-o a um inevitável posicionamento.

Still de ALL THAT I LOVE (foto: divulgação)



Outros dois personagens vem compor o triângulo central da ação: o rebelde Kazik (Jakub Gierszal) – guitarrista da banda, amigo, confidente e mentor de Janek – e a bela Basia (Olga Frycz), colega de escola por quem Janek se apaixona. Eles se amam, compartem descobertas sexuais e, claro, discutem política. Kazik é punk-anarquista e combate violentamente os militares. Já Basia, mais tranquila, é filha de um ativista do Solidariedade que acaba preso pelos militares. Injuriada e ingênua, ela põe a culpa no pai de Janek e rompe o namoro ..

E a história segue, mesclando sem pudor política dos anos oitenta a conflitos sexuais juvenis. Pode até parecer o rock do polaco doido, mas o roteiro autobiográfico de Jacek Borcuch é tão cuidadosamente desenhado que tudo acaba se encaixando num pacote muito bem arrumado e consistente. Como o país que se rebela, o personagem também trava sua revolução pessoal, impõe-se como o vocalista da banda e se transforma na voz da rebeldia, atualizando todos os nossos sonhos juvenis de paz, amor, música e liberdade. Janek é o protagonista exemplar: segura a emoção à flor da pele nos 95 minutos do filme. Tem uma sensibilidade hipertrofiada e parece que vai ter um surto a qualquer momento. Terá?!

Mateusz Kosciukiewicz - ator
(foto: divulgação)


O elenco dá show. Mateusz Kosciukiewicz é um ator excepcional. A câmera o persegue com crueza, revelando suas pernas arqueadas, seu dente cavalado, sua bolsa escrotal. Ele defende seu personagem com caras, caretas, unhas, dentes e coração. Tem a qualidade inata de um astro: é impossível esquecê-lo. Quem vir o filme concordará comigo. Além do excelente trio de protagonistas, merece destaque o trabalho de Andrzej Chyra (A Dívida) como pai de Janek. 

A direção de Jacek Borcuch é sensível e virtuosa, com várias cenas trabalhadas artesanalmente, uma melhor que a outra. As locações externas são inúmeras, todas muito bem aproveitadas, principalmente as cenas marinhas. Aliás, o mar é mais um protagonista do filme .. A fotografia, quase sempre em zoom, põe os personagens a um palmo do nosso nariz, nos aproximando da emoção deles. A montagem ágil, sem medo do corte, demarca o ritmo e não deixa o espectador desgrudar. A impecável trilha sonora vai do rock ao clássico com desenvoltura e é assinada por Daniel Bloom, irmão do diretor. A direção de arte é delicada e nos transporta prazerosamente aos anos oitenta. Quem foi adolescente na época - como eu - se delicia.

Cartaz de ALL THAT I LOVE


Wszystko co kocham está sendo distribuído nacionalmente pela Lume Filmes, uma distribuidora de São Luiz (pasmem!) que, segundo a Filme B, pertence a um heróico brasileiro chamado Frederico Machado. [Frederico, se em algum momento você ler essa crítica, por favor, mate nossa curiosidade e nos conte como a Polônia foi parar no Maranhão.]

A classificação etária no Brasil é 16 anos - pelas fortes cenas de sexo, nudez e violência juvenil. Mas não se enganem: All That I Love não é um filme sobre adolescentes. É um filme sobre o amor .. esse sentimento atemporal, universal e sem idade .. amor à família, amor à pátria, ao mar, à vida .. amor-próprio .. enfim, um filme sobre tudo que ele ama,  tudo que você ama, e Tudo Que Eu Amo.

Não percam !!
.DarioPR